Os Militares e a Política

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Presentemente, foi conhecida a candidatura de um Militar para a Presidência da República, tendo-se assistido, quando do prenúncio da mesma, e após a sua formalização, à reacção de várias personalidades do espectro político partidário nacional sobre essa questão, marcada por dúvidas e suspeitas sobre a capacidade, competência e experiência política do candidato, chegando, mesmo algumas delas, a questionar a legitimidade de uma candidatura dessa natureza.

Estas reacções obrigam a reflectir sobre quais os genuínos motivos de semelhantes atitudes, tão discriminatórias, quanto enviesadas em relação ao candidato, em particular, e aos Militares, em geral.

No sentido de melhor perceber o sentido desta animosidade e desconfiança, convinha recordar um conjunto de situações que as Forças Armadas (FA) e os Militares atravessaram nos últimos 50 anos, em pleno regime democrático.

Nesse sentido, tenhamos em conta que em 1982, com a aprovação da Lei nº 29 do mesmo ano, as FA integraram-se, por inteiro, na Administração Pública nacional, com os Militares subordinados ao poder político, sem reservas, nem condicionalismos.

A lei clarificava, inequivocamente, os limites da intervenção dos Militares na vida política, não deixando dúvidas sobre o impedimento da sua acção, neste domínio.

Contudo, outra questão era a possibilidade da sua intervenção política, quando transitavam para a situação de Reforma, em que readquiriam, na plenitude, os seus direitos cívicos e políticos, como qualquer outro cidadão, não podendo, nesse sentido e de nenhuma forma, ser impedidos ou condicionados.

Dever-se-á questionar, assim, o porquê das reservas, das dúvidas e do desmerecimento velado que vêm pairando sobre a candidatura à Presidência da República de um Militar que, estando na situação de reforma, deste modo, mantém a integralidade dos seus direitos de intervenção política.

Ao colocar-se em causa a sua falta de experiência política, procura-se reduzir os seus conhecimentos e a sua experiência ao âmbito meramente funcional da sua carreira e, deste modo, subvalorizar as suas capacidades e diminuir o seu potencial para o exercício de outras funções.

Haverá que procurar, então, mais fundo, quais as verdadeiras razões de tamanha oposição e preconceito.

É sabido que, tendo sido o 25 Abril obra de Militares, os políticos, entretanto, regressados dos seus exílios, não conviveram bem com a notoriedade e com o prestígio que aqueles lograram obter, no seguimento da Revolução.

Pode entender-se não lhes ter sido fácil constatar que os Militares viessem assumir, na altura, um papel central e determinante na vida nacional, subtraindo o protagonismo que consideraram estar-lhes reservado, mas que nunca tinham tido a capacidade para o conquistar.

Deste modo, não lhes deram tréguas até 1982, acelerando as condições para a extinção do Conselho de Revolução e para a subordinação completa das FA ao poder político, aproveitando a circunstância para um implícito “acerto de contas” que, até hoje, se mantém.

Depois, por via de um pacto de regime tácito que os partidos do arco da governação, desde cedo, firmaram entre si, os sucessivos governos foram, paulatinamente, subvalorizando a Instituição Militar, procurando diminuir a sua visibilidade junto da sociedade, e até a sua utilidade para o País, contando, para o efeito, com a prestimosa contribuição de certa opinião publicada.

Esta realidade, que resultava de um claro desígnio político partidário, foi-se sedimentando sobre um conjunto de reformas dirigidas, explicitamente, às FA, algumas delas parecendo ter como único propósito a sua governamentalização, e com uma veemência e impacto, como nenhum outro sector da Administração Pública, alguma vez, terá sentido.

Chegados, assim, aos dias de hoje, quando a Instituição Militar se considerava “domesticada”, e com as FA num estado de pré falência, um Militar atrever-se a apresentar a sua candidatura ao mais elevado cargo da magistratura nacional terá feito soar um sinal de alarme na classe política, que aceitou mal o violar do seu território por outros intervenientes, que ousavam ameaçar a pretensa exclusividade da sua intervenção.

Ao agitar-se o fantasma de um caudilhismo e de um eventual perigo para a democracia que aquela candidatura poderia representar, trilhava-se, uma vez mais, o caminho da manipulação da opinião pública, sempre útil quando os argumentos são tão insidiosos, como desprovidos de sentido.

Aliás, tem sido essa desconfiança e esse receio atávico, nutrido pela classe política, que tem conduzido a uma relação de incompreensão e de afastamento institucional face aos Militares, isenta de qualquer racional entendível, e que o País, certamente, dispensaria.

Agora, que a candidatura se concretizou, poderemos esperar, então, um recrudescer de críticas e de ataques ao candidato, passando pela sua vida pessoal, pelo seu carácter e pelo seu passado profissional, numa tentativa de os menorizar e descredibilizar.

Sobre ele será, certamente, colocado em marcha um escrutínio cerrado e feroz, na ânsia de encontrar um qualquer esqueleto deixado para trás num qualquer armário perdido no tempo.

No limite, se nada for encontrado, restará, sempre, a hipótese de deixar no ar uma qualquer dúvida ou suspeita, passível de ser objecto de manipulação e de desinformação públicas.

Provavelmente, os mais optimistas e os menos atentos poderão não partilhar destes receios e interrogações, e acreditar que o País possa vir a assistir, no momento próprio, a um processo eleitoral desprovido de equívocos e de suspeitas, contribuindo, desta forma, para a valorização da vida política nacional.

A Democracia agradecia, e os Portugueses merecem...

Tenente General

O autor escreve de acordo com o anterior acordo ortográfico.

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