Os jogadores de xadrez
Escrevo esta crónica, a que nunca faltei, na manhã de segunda feira, ainda sob a desolação dos resultados eleitorais da véspera. E, não querendo acrescentar mais palavras à desgraça, ocorre-me um poema de Fernando Pessoa/ Ricardo Reis, que elogia aqueles que, ante a invasão violenta dos bárbaros na cidade, continuam a jogar a sua partida de xadrez, absorvidos inteiramente no seu jogo. E tira uma moral: Tudo o que é sério pouco nos importe / O grave pouco pese.
Ora, ao decidir não acrescentar a minha prosa a todas as análises e comentários que este descalabro da esquerda e esta encruzilhada da direita democrática inspiram, e bem, a tantos dos que escrevem nos jornais, sinto a culpa de quem deserta de um combate e o sentimento de quem escreve para ignorar o elefante na sala. Os jogadores de xadrez, que continuam, impassíveis, o seu jogo durante a invasão dos bárbaros, não são um exemplo para mim, no sentido da moral que Pessoa/Reis extraiu do exemplo, porque todo o grave me pesa e todo o sério me importa. O que quero dizer com o poema é outra coisa. É que, face às invasões bárbaras em que todos nós, aqui e pelo mundo fora, passámos a viver, não devemos abdicar dos nossos jogos, do nosso xadrez, da nossa poesia, da nossa música, porque são afinal essas atividades, consideradas fúteis e inúteis, que justificam a nossa resistência à barbárie.
Daí que, tolhido embora pelo choque de um resultado em que, mais do que a derrota histórica da esquerda, mais do que o dilema em que fica encalhada a direita democrática, me perturba o ressurgir em força de tudo aquilo contra que combatemos nos nossos vinte anos, num sinistro Eterno Retorno que assombra a Europa e o Mundo, eu insista em escrever de outras coisas, porque é dessas coisas que a barbárie foge.
Os poetas eram acusados de viver numa torre de marfim, ainda que essa torre pudesse ser mais frequentemente o barril de Diógenes, que apenas pediu a Alexandre o Grande, que o instou a formular um desejo, que se afastasse de si, porque a sua sombra lhe tirava o sol. Eu creio que a barbárie nos tira o sol, mas com o sol rouba-nos os jogos, a alegria, a inocência, tudo aquilo que não pesa por grave nos nossos corpos e nas nossas consciências, que é o poder de criar e fruir a própria vida.
Um poema (mais um!) de Kavafis descreve a ansiedade de um povo pela chegada iminente dos bárbaros. E quando eles afinal não chegam, lavra a desilusão. E agora que vai ser de nós sem os Bárbaros?/ Essa gente era uma espécie de solução, conclui o poema de Kavafis.
Estarão as nossas sociedades, como estes cidadãos do poema, ansiosamente à espera dos bárbaros que, se não resolvem os problemas, pelo menos eliminam-nos, pela espada dos guerreiros ou pela censura dos ditadores? Sim, os bárbaros são uma solução para muita gente. Menos para aqueles que vivem para alguma coisa a que a liberdade faz tanta falta como o oxigénio: a dignidade de ser humano.
Diplomata e escritor