Os garimpeiros da Northvolt não são grande espingarda

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O forte apoio que a Northvolt teve assentou em três pressupostos: (i) o projeto foi lançado por gestores provindos da Tesla, pressuposto de aptidão técnica para fazer gigafábricas de baterias elétricas; (ii) apoio da Comissão Europeia e de outras instituições europeias (ex: BEI) à criação de uma cadeia de valor do armazenamento elétrico autónoma; (iii) integração a nível empresarial das várias vertentes desta cadeia de valor, nomeadamente das que integram a Aliança Europeia das Baterias (EBA).

O apoio das instituições europeias à Northvolt foi inexcedível e a integração da Northvolt com as montadoras automóveis foi excelente. O pressuposto que falhou foi o atinente à aptidão técnica. Os resultados da única gigafábrica construída pela Northvolt mostram a produção de uma quantidade diminuta de células elétricas, períodos de não-laboração e situações de estranhos decessos de trabalhadores; a gestão financeira pôs a nu problemas graves de tesouraria derivados de rápido crescimento da dívida de par com uma expansão para inúmeras áreas - da I&D à produção de cátodos, da refinação à reciclagem, de soluções de armazenamento de energia a investigação avançada sobre baterias para aviões, para além de novas gigafábricas.

Jornais suecos citam trabalhadores da Northvolt revelando que esta ficou dependente do seu parceiro tecnológico chinês - a Wuxi Lead - para a maioria dos equipamentos usados na fabricação de baterias de lítio. A Northvolt não consegue operar as máquinas sem o envolvimento de centenas (574 desde 2020, segundo o jornal Afv) de técnicos chineses da Wuxi Lead presentes na Suécia. Numa postagem no blogue do comentarista financeiro sueco Lars Wilderäng, este cita fontes da empresa referindo que as máquinas industriais vendidas pela Wuxi Lead à Northvolt não eram de última geração. Wilderäng sugere ainda que certas funcionalidades das máquinas foram omitidas e que a documentação do equipamento estava incompleta; a Wuxi Lead negou que assim fosse.

Atrasos na produção e falta de confiança na qualidade do produto levaram a BMW e a Audi a cancelar as suas encomendas.

Para além da traição à criação de uma cadeia de valor europeia, é inacreditável como entidades como grandes bancos, agências europeias e nacionais, e grandes corporações, sócios ou offtakers, não detetaram problemas nas due diligences que tiveram lugar quanto à aptidão técnica da Northvolt. É especialmente escandaloso que a Northvolt tenha baqueado nas áreas de compras e logística, precisamente as áreas pelas quais o seu CEO, Peter Carlsson, era responsável na Tesla.

Como lembra Christian Sandström, docente da International Business School em Jönköping e cronista no jornal Affärsvärlden, “lá porque há ouro no Klondike não significa que você, como garimpeiro, terá sucesso”. Claramente, os garimpeiros da Northvolt não são grande espingarda.

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