Os eternos derrotados da História

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Onde ficarão as pessoas quando concluída toda a nova discussão política sobre geoestratégia, capacidade militar adicional, espaços de influência e rearrumo de blocos? A resposta é estranhamente simples: ficarão provavelmente onde estão e como estão - ou pior.

Mesmo que as populações da zona leste da Ucrânia, que sempre foram maioritariamente russas ou se sentiram como tal, resultado da História do último século, possam eventualmente sentir alguma paz adicional, concluído o rearranjo. Ou não. Manterão a situação precária a que se habituaram nas últimas duas décadas? Terão, à volta de sua casa, a mesma incerteza, o mesmo conflito, a mesma falta de futuro? Ou as pessoas de Gaza? Ou as pessoas do Haiti? Do Mali? De Myanmar? Do Afeganistão?

Quem diria que, já avançado o século XXI, se voltaria a sentir a pressão nacionalista, que lembra o século XIX. Ameaça-se voltar à ideia de Estado oitocentista e anterior, um Estado que serve essencialmente para alimentar a manutenção ou a ampliação de fronteiras, pelas armas, como sua função essencial. As conquistas do século XX em termos de bem-estar coletivo parecem já distantes e diluídas, quase só idílicas, do tempo de um esperançado pós-guerra. Água potável, acesso a alimentos, escolas, saúde, medicamentos, trabalho, habitação, justiça... são agora detalhes, pequenos luxos.

As notícias são sobre tipologia de armas, efeitos balísticos, número de efetivos militares, ultimatos sucessivos. Parece que alguém acabou a aula e se debruçou, voraz, para o recreio, com todos os seus colegas, em fúria.

A Europa e os Estados Unidos vivem a diluição do modelo social mais bem-sucedido de sempre, que deu dignidade e retirou da pobreza milhões de pessoas, que agora soçobra perante o agigantar do fantasma do medo do outro e o exacerbar dos sentimentos de injustiça pessoal.

Se nos prometeram que seria sempre melhor, como aceitar estagnação ou incerteza? Se sempre me prometeram progresso, melhores carros, mais coisas para comprar e deitar fora, como aceitar agora prudência, probidade, apaziguamento das possibilidades de consumo e até reorientação de prioridades para armas? Para mais, com uma geração, a caminho de duas, que nasceu no sofá a olhar para um écran, a vida como lazer, a vida como receção de estímulos de consumo e de festa permanente, na montra da loja universal. Como conciliar um longo estágio de sofá com o vislumbre de um alegre recrutamento militar?

Não admira que Donald Trump tenha ganhado as eleições com o seu programa do “senso comum”, da “política que funciona”, da normalidade maioritária. A sua promessa de grandeza é apenas uma promessa de passado: Make America great, again. Mesmo que rejeitando emigrantes, a grande força e a grande diferença da América, uma terra de emigração como nenhuma outra.

A perceção popular sobre a política e os políticos é sempre uma variação sobre o ódio. Não apenas hoje. A natureza humana a funcionar no seu esplendor sobre um outro com poder. Mas sabemos, da História, que as desilusões lentas para com o poder findam sempre com roturas. Mesmo com a incerteza sobre o quão decisivos podem ser os perfis pessoais de algumas personagens alçadas a assumir os destinos dos povos neste tempo. A esperança, essa palavra hoje quase maldita, fica sempre à porta do futuro.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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