Os distúrbios no Bairro do Zambujal
Um primeiro ponto de ordem dirigido às mentes mais exaltadas pelos acontecimentos na sequência do tiroteio mortal no Bairro do Zambujal. A situação de segurança que se vive nos bairros considerados mais problemáticos dos arredores de Lisboa, do Porto, de Almada ou de Setúbal está ainda a anos-luz da que ocorre nos Quartiers Nord de Marselha, nas favelas do Rio de Janeiro ou nos projects de Detroit.
Isto porque a capacidade de intervenção da PSP - sobretudo pelas suas forças mais especializadas - está largamente intocada, como vimos pela forma decisiva como entrou no Bairro do Zambujal na tarde de ontem, após os distúrbios organizados contra a polícia. A lei, aplicada pela coação que delegamos nas forças policiais, ainda ali reina, acima da lei de outras forças vivas do bairro, seja do Zambujal, seja de outros.
Não é o caso dos exemplos citados anteriormente, em que, em certas ocasiões, tem de ser tropa com blindados a entrar (Rio) ou em que a polícia nem entra, por estar quase sempre em desvantagem tática ou no poder de fogo (Marselha).
A reflexão leva-nos sempre a considerar o que se passou no Bairro do Zambujal. Houve ou não razão justificada para que um agente da PSP - ao que sabemos com menos de dois anos de serviço - tivesse atingido e abatido a tiro um cidadão que foi mandado parar e mostrou um comportamento que a polícia considerou suspeito?
A versão da polícia é que o homem, Odair Moniz, ameaçou os agentes com uma faca. Moradores do bairro que dizem ter presenciado a cena afirmam que o seu vizinho estava desarmado e que foi “assassinado pela polícia”. Pedem justiça e têm direito a ela. Tal como os familiares do homem que foi morto. Tal como o polícia que o matou.
Está a decorrer um inquérito da Polícia Judiciária para apurar, ao pormenor, o que aconteceu, pelo que todos vão ter de esperar pelo desfecho do único procedimento que pode garantir os direitos de toda a gente.
Por outro lado, a falta de confiança que alguns populares do Bairro do Zambujal sentem em relação às autoridades policiais, PSP ou outras, não pode justificar a reação que vimos: autocarros e caixotes do lixo incendiados, apedrejamentos e rebentamento de petardos. Aliás, são comportamentos que indiciam que já não estamos a falar de “falta de confiança” nas autoridades, mas de uma agenda para limitar a ação policial futura. Na prática, estes elementos, que serão uma minoria, submeteram todo o bairro a um cerco policial, limitando - em seu proveito - as liberdades da própria comunidade em que se inserem.
A atuação da polícia, sobretudo devido à possibilidade de alastramento dos protestos a outros bairros, vai estar sob intenso escrutínio. Mas não é a única.
A atuação das autoridades policiais - cujas decisões dependem sempre da tutela política - também nos diz se o atual Governo está ou não a abraçar as ideias securitárias e musculadas do Chega, como alguns comentadores mais conotados com a esquerda referiram na sequência do Congresso do PSD este fim de semana e das ideias ali anunciadas pelo primeiro-ministro.
Diretor-Adjunto do Diário de Notícias