Os desafios de Merz

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Friedrich Merz chega ao topo da política alemã relativamente tarde. Tem 69 anos. A rivalidade na CDU/CSU com Angela Merkel, a cientista que foi eleita quatro vezes chanceler, obrigou-o a adiar os planos de poder, dedicando-se aos meios financeiros, ele que é aquilo a que se chama advogado de negócios. Agora, os desafios são muitos, tanto a nível interno, como externo.

Se Merz celebrou, no domingo, uma saborosa vitória eleitoral, vingando a derrota da CDU/CSU em 2021, essa não deixa de ser curta, abaixo até dos 30%, pior do que qualquer um dos resultados de Merkel. Impedido, por convicção pessoal e também estratégia política, de se aliar com o segundo maior partido, a AfD, de extrema-direita, resta-lhe procurar uma coligação com o SPD, partido de Olaf Scholz, que teve o pior resultado de qualquer chanceler do pós-guerra. Apesar das diferenças ideológicas, não seria a primeira vez que democratas-cristãos e sociais-democratas governariam juntos. Aconteceu, por exemplo, em três dos quatro governos de Merkel.

A votação recorde da AfD, e também os bons resultados dos dois partidos de extrema-esquerda (mesmo que um tenha falhado a fasquia dos 5% que dá acesso ao Bundestag), mostram como o consenso construído por décadas de governação da CDU/CSU e do SPD, com a ajuda dos Verdes e dos liberais do FDP (que desta vez ficaram aquém também dos 5%), está a ser posto em causa por muitos alemães. O debate sobre a imigração está presente na sociedade alemã e igualmente se questiona o modelo económico. Construir uma resposta a ambos, apesar das diferenças com o SPD, é um dos desafios sérios para o novo chanceler, de certa forma o mais importante dos desafios internos.

A questão da economia reflete-se também no grande desafio externo de Merz, a afirmação da liderança alemã da Europa. A Alemanha é sempre um colosso, e continua a ser a maior economia europeia. Mas o momento é difícil. Em 2024 a economia germânica não cresceu, este ano também são baixas as perspetivas, apesar de todo o potencial da indústria. E a influência de um líder no contexto internacional depende muito da pujança do seu país, a que se somará a própria personalidade, nomeadamente quando, como acontece com Merz, terá de interagir com o russo Vladimir Putin, mas também com o americano Donald Trump.

Só com factos concretos se poderá aferir se Merz tem as condições certas para lidar com um presidente americano que, por vezes, parece ter interesses contraditórios com os dos tradicionais aliados europeus da NATO. Mas já se percebeu que o novo homem forte alemão está mesmo disposto a enfrentar Trump e a defender uma perspetiva europeia tanto em relação a uma eventual negociação sobre a Ucrânia, como na promoção de uma Europa mais autónoma do ponto de vista da Defesa.

Merz, por toda a força que tenha um chanceler alemão, sabe que terá mais hipóteses de sucesso se conseguir falar em nome dos 27 da UE, e associando a estes o Reino Unido. A parceria com o francês Emmanuel Macron (que ontem visitou Trump), é vital, mas também com o polaco Donald Tusk, líder de um país que tem estado na primeira linha do apoio ao esforço de guerra ucraniano, e que até gasta maior percentagem do PIB em Defesa do que os próprios Estados Unidos, o que lhe dá créditos na hora de falar com os americanos.

O chamado Triângulo de Weimar pode, assim, ser uma base para Merz se destacar. Mais complicado, a todos os níveis, será o tema de um guarda-chuva nuclear alternativo para a Alemanha. Merz falou de negociações futuras com franceses e britânicos sobre o tema, o que tem muito que se lhe diga. De qualquer forma, a Defesa será ponto importante para o futuro governo alemão.

Veremos, pois, do que será capaz Merz. Merkel revelou-se uma chanceler com dotes de liderança continentais, mesmo que hoje seja criticada por aceitar imigração em massa e ter feito a economia alemã depender demasiado do gás russo. Já Scholz, frágil chanceler à frente de uma inédita coligação governamental a três (SPD, Verdes e FDP), nunca sobressaiu. As expectativas são agora altas, quase tanto como o novo chanceler, que tem 1,98m.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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