Os custos escondidos dos investimentos públicos digitais

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Os projetos de transformação digital no setor público costumam ser anunciados com grande pompa e circunstância, mas frequentemente sofrem de uma ausência crónica de planeamento para a sua manutenção a longo prazo. É um padrão que se repete, com euforias iniciais seguidas por desinteresse na alocação de recursos para manter os investimentos funcionais nos anos seguintes.

Exemplos recentes ilustram esta negligência. Em 2020, o Tribunal de Contas alertou para a deterioração do Sistema Tributário, incapaz de lidar com o tráfego crescente devido à falta de atualizações e de infraestrutura adequada. Em 2022, o sistema do SEF colapsou, tendo paralisado serviços essenciais por semanas, devido a uma falha causada pela ausência de manutenção preventiva.

Mesmo o Deucalion, o supercomputador adquirido por 20 milhões de euros, enfrenta atualmente riscos operacionais devido à escassez de técnicos qualificados e de financiamento contínuo. O recente apagão de serviços eletrónicos essenciais da AMA [Agência para a Modernização Administrativa] foi outro exemplo alarmante, que expôs as fragilidades de segurança, devido à ausência de infraestruturas de continuidade de serviços, previstas há mais de 20 anos.

Os números revelam este desequilíbrio, pois em 2021 de acordo com os dados da AMA, apenas 14% do orçamento público em TIC foi destinado à manutenção, enquanto 86% focou-se em novos projetos. Esta preferência por inovações de curto prazo ignora as necessidades de longo prazo e aumenta os custos através de redundâncias e obsolescência.

No contexto do PRR, este problema atinge uma nova dimensão. Com um orçamento de 16,6 mil milhões de euros, o verdadeiro custo, incluindo os custos totais de propriedade (TCO, na sigla inglesa), ultrapassa os 20 mil milhões e os custos operacionais (OpEx, acrónimo também inglês) podem chegar a 8 mil milhões em 10 anos, de acordo com estimativas para projetos semelhantes.

A União Europeia, ao financiar os projetos sem exigir um planeamento sustentável a médio e longo prazo, arrisca-se a ser cúmplice deste ciclo de gastos ineficientes.

A falta de integração entre plataformas digitais e a negligência na manutenção não são apenas desperdícios financeiros, pois afetam também a eficiência dos serviços públicos e a confiança dos cidadãos. Exige-se uma nova atitude gestionária, para que todos os novos projetos passem a incluir planos robustos de manutenção e evolução desde a sua conceção, garantindo recursos e formação de profissionais.

A solução pode estar em modelos tecnológicos mais integrados e sustentáveis, como uma “cloud soberana” ou infraestruturas híbridas. Estas opções não apenas poderiam racionalizar custos, mas também assegurariam a continuidade e a segurança dos serviços.

Sem esta mudança efetiva na gestão dos investimentos públicos e sem uma nova atitude de políticas de Estado, iremos ficar reféns do curtoprazismo e das euforias dos vários ciclos políticos, correndo o risco de transformar os grandes investimentos em desperdícios.

Entretanto, os organismos públicos continuarão separadamente a reinventar a roda todos os dias, alimentando as vaidades de cada membro do Governo e da própria União Europeia, sem qualquer transparência, nem escrutínio cívico, enquanto a fatura, financeira e social, irá recair sobre as gerações futuras. Como se costuma dizer: “Quem vier a seguir que feche a porta e pague a conta.”

Especialista em governação eletrónica

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