Otítulo do romance do benguelense-lisboeta-berlinense Kalaf Epalanga serve-me para indagar na crónica de hoje se a Europa sabe de facto o que quer da cooperação com o continente africano. Na última cimeira entre os estadistas das duas regiões, a Europa prometeu realizar um investimento de pelo menos 150 mil milhões de euros no conjunto dos países africanos, mas, antes de comentar os números, vale a pena atentar aos princípios..Segundo o comunicado oficial da cimeira, os países europeus comprometeram-se a desenvolver com África "uma cooperação renovada e reforçada para a paz e a segurança", mantendo o princípio de "soluções africanas para problemas africanos". Comprometeram-se também a apoiar "formação adequada, reforço das capacidades e equipamento, para reforçar e intensificar as operações de paz autónomas das forças de defesa e segurança africanas, nomeadamente através de missões da União Europeia e medidas de assistência"..O entendimento sobre os referidos princípios parece dirigido em particular à França, cujo intervencionismo nos assuntos internos dos países africanos tem sido notório ao longo do tempo, desde as primeiras independências das suas antigas colónias e não só. Essa política nefasta e infrutífera está em vias de ser alterada, pelo menos a avaliar pela decisão de Paris de abandonar o Mali.Quanto ao pacote mínimo (?) de 150 mil milhões de euros prometidos pela Europa ao continente africano, as principais áreas onde os mesmos serão investidos são a economia, saúde e educação. Não li nada, especificamente, em relação a investimentos em infraestruturas e na industrialização de África, as duas principais prioridades de África, segundo vários especialistas..Um dos temas mais quentes no quadro das relações euro-africanas é o das migrações. Na última cimeira, as duas partes comprometeram-se a "prevenir a migração irregular, reforçar a cooperação contra o contrabando e o tráfico de seres humanos, apoiando a gestão das fronteiras e a obtenção de melhorias eficazes no regresso, readmissão e reintegração, incluindo a promoção do retorno voluntário". Tudo isso, garantem os dignitários europeus e africanos, "no pleno respeito do direito internacional e dos direitos humanos fundamentais"..O recado é claro: quer os governos europeus quer os africanos, óbvia e naturalmente, não têm interesse, pelo menos político e/ou retórico, em promover a imigração africana para a Europa (a inversa já faz parte da História). Na prática, a situação poderá, entretanto, ser outra, dado o envelhecimento das sociedades europeias. No mínimo, os países europeus não coibirão a imigração africana qualificada, o que implicará isolar as forças de extrema-direita locais..Os dirigentes europeus e africanos reafirmaram também o seu compromisso com o multilateralismo e com o papel das Nações Unidas, com o objetivo, entre outros, de "reduzir as desigualdades globais e aumentar a solidariedade"..Confesso: tenho alguma dificuldade em acreditar no compromisso da Europa com o multilateralismo, num momento em que a maioria dos seus governos, mesmo contra os seus interesses comerciais, parece apostada em apoiar a estratégia dos EUA em marginalizar a China e a Rússia, mantendo, assim, a ordem unilateral vigente desde a queda do Muro de Berlim. Quanto à solidariedade euro-africana, o exemplo do combate à covid-19 diz tudo: os países africanos pediram 100 mil milhões de dólares em direitos especiais de saque do FMI para atenuar os efeitos macroeconómicos da pandemia; a Europa redistribuiu apenas 13 mil milhões..O tempo dirá quais os resultados efetivos da última cimeira Europa-África. Para já, tendo a concordar com o economista bissau-guineense Carlos Lopes, que antecipou que a mesma seria apenas um "sucesso diplomático". Obviamente, isso não chega..Escritor e jornalista angolano, diretor da revista África 21