Os bebés salvos pelo nosso Hércules
Acompanhei um dia, num Humvee, uma patrulha dos nossos comandos em Cabul e não tenho dúvidas sobre a importância daquela presença portuguesa, no quadro de uma força internacional, mesmo que todos os esforços para fazer do Afeganistão uma democracia tenham falhado e os talibãs governem de novo. Também não esqueço como Mankeur Ndiaye, representante da ONU na República Centro-Africana, numa visita a Lisboa, me disse em entrevista que “os militares de Portugal na República Centro-Africana fazem a diferença no terreno”, procurando evitar o regresso da guerra civil . E recordo aqui igualmente uma conversa com o major-general Nuno Lemos Pires em que o atual diretor-geral de Política de Defesa, com grande experiência ele próprio no terreno, sublinhou que “Portugal foi o primeiro país que saiu em ajuda de Moçambique relativamente a Cabo Delgado”, região remota onde grupos jihadistas aterrorizam a população.
Podia acrescentar o apoio material à Ucrânia ou a recente missão do Arpão, o primeiro submarino português a navegar sob o gelo do Ártico, como exemplos daquilo de importante que fazem as Forças Armadas. E de como é vital que estas estejam bem equipadas e com efetivos adequados e motivados, sobretudo num contexto de grande tensão geopolítica, como a que existe entre o Ocidente e a Rússia desde que esta invadiu a Ucrânia em inícios de 2022.
Não imagino, porém, melhor caso para expressar a minha admiração pelo papel dos militares do que o recente transporte de dois recém-nascidos por um Hércules C-130 da Força Aérea Portuguesa, entre os Açores e Lisboa. Uma ação de emergência devido ao incêndio no hospital de Ponta Delgada, que mostra o esforço de solidariedade entre os portugueses, que nos últimos dias foi comprovado na transferência dos doentes não só entre ilhas dos Açores, como deste arquipélago para o continente e para a Madeira. O avião militar trouxe os dois recém-nascidos em incubadoras, monitorizados por equipas médicas durante as três horas do voo.
Dos salvamentos em alto-mar (numa vastíssima área do Atlântico sob responsabilidade de Portugal) ao transporte de grávidas, é vasto o historial de serviço humanitário das Forças Armadas no dia a dia. Ainda há um mês uma menina nasceu a bordo de um avião militar que levava a mãe de Santa Maria para São Miguel. No primeiro trimestre deste ano, a Força Aérea realizou 126 transportes médicos, “contribuindo para que 183 pessoas recebessem cuidados médicos diferenciados”, segundo informações dos próprios militares. A maioria dos doentes foram transportados entre ilhas dos Açores, mas também houve muitos casos de Porto Santo para a ilha da Madeira, 16 entre os Açores e o continente e quatro entre o arquipélago da Madeira e Portugal Continental.
Quando se fala dos 2% do PIB investidos em Defesa como uma prioridade que o poder político tem de encarar, não pensemos, pois, apenas em satisfazer uma exigência dos Estados Unidos, no âmbito da NATO, mas sim em garantir dignidade e operacionalidade aos nossos militares. São homens e mulheres que fazem todos os dias um esforço hercúleo por Portugal. E já que fui aqui buscar um adjetivo inspirado numa figura da mitologia clássica, que chegue aos ouvidos certos aquilo que já afirmou Nuno Severiano Teixeira, antigo ministro da Defesa e académico com vasta obra sobre as Forças Armadas : “Quanto ao investimento de 2% do PIB em Defesa, temos de fugir da ideia de que só se atinge nas calendas gregas.”
Diretor adjunto do Diário de Notícias