Opinião pessoal (LXXX) Sobre a rua Coelho da Rocha
Em Lisboa, no Bairro de Campo de Ourique, a Casa Fernando Pessoa, à Rua Coelho da Rocha, é um museu de visita obrigatória.
Foi aí que Pessoa viveu os últimos 15 anos da sua vida. Residiu no 1.º andar direito, do n.º 16, desde 1920 até ao final da vida, aos 47 anos de idade (1935).
A Casa representa, para mim, uma referência especial não só por razões culturais, mas, igualmente, por motivos familiares.
Não tivesse eu nascido na maternidade, fora de Campo de Ourique, poderia dizer que seria natural da Coelho da Rocha, uma vez que vivi no n.º 105 e que meu Pai nascera, na mesma rua, no 75. Ainda mais. Os meus avós, tanto paternos como maternos, aí moravam, também.
Por isso, as memórias são muitas. As imagens persistem nítidas. Debruçado à janela de meu quarto olhava para a direita a observar a rua que se estendia quase até ao seu começo, junto da Silva Carvalho e para a esquerda, via o seu final na bifurcação com a Sampaio Bruno.
Impressiona-me relembrar que, no princípio da década de 50, os automóveis estacionados ao longo da rua não chegavam a totalizar a dezena. Lembro-me bem, entre outros, do Hudson, de último modelo desportivo, do José Alvorão, do Mercedes descapotável do Mário Ribeiro e do Cadillac clássico de Justina Batista (guiado por chauffeur com trintanário a seu lado, ambos devidamente fardados).
Meu pai, que nasceu e morreu na Coelho da Rocha (1913-1986), foi, portanto, contemporâneo e conterrâneo de Fernando Pessoa, entre 1920-1935. Mais tarde, referia-se, a ele, muitas vezes, apesar de, na época, a sua figura ainda não ter conquistado a dimensão lendária que hoje possui.
Estou convencido que os prazeres pela leitura e pela escrita, que mantenho desde a adolescência, poderão ter sido potenciados pela influência, espontânea, que a fantástica lenda de Fernando Pessoa exerceu, naturalmente, na minha geração. Ainda para mais no Bairro.
Pessoa escreveu muito, ele mesmo ou em nome de outros escritores que criou, mas que nunca existiram: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis e muitos outros, além do “quase ele” Bernardo Soares. Cada um tinha a sua personalidade, profissão e história de vida. Tinham até cartões de visita com nomes e moradas respetivas. Pessoa chegava a escrever-lhes!
A este propósito, recordo-me do esforço que senti para distinguir os significados de heterónimo e pseudónimo. Processo que foi facilitado porque conheci dois poetas, pais de amigas e amigos meus, que escreviam com um nome inventado, mas, como professores, tinham nomes verdadeiros. Refiro-me a António Gedeão e Tomaz Kim que viviam, respetivamente, nas esquinas do lado poente e nascente da Coelho da Rocha.
Ex-diretor-geral da Saúde
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