Opinião pessoal (LXXI) Sobre o começo da SIDA

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Em Bissau, o diálogo com Almeida Santos prosseguiu. Estávamos em 1989 e continuávamos no hotel, em dia de sol e calor de Novembro.

A curiosidade de Almeida Santos em saber pormenores sobre o início da SIDA, mantinha-se. Sabia que eu era a pessoa certa para relatar a evolução dos acontecimentos, visto que tinha testemunhado o aparecimento do “furacão”. Na altura, ninguém antecipou que o inesperado fenómeno alcançasse a intensidade de categoria máxima, em termos de escala, a nível global. Então, o pensamento científico dominante não admitia a possibilidade da ocorrência de eventos imprevistos.

Almeida Santos ouvia tudo com atenção. Formulava perguntas até ficar esclarecido. Fiquei satisfeito pelo seu interesse tão genuíno. Com sorriso, mas estupefacto, não percebera a trapalhada do telegrama de alerta enviado pela OMS de Bissau para Genebra que não acentuava a estranheza dos óbitos terem surgido em pessoas, adultas, que antes eram robustas e aparentemente saudáveis e adoeceram com diarreia crónica e emagrecimento.

- Ó Francisco, como foi isso possível?

-Olhe, as autoridades guineenses comunicaram a situação com precisão, mas estou em crer que os telegramas expedidos pela Representação da OMS terão sido demasiado curtos. “Comer” palavras nos telegramas que redigia era um dos caprichos de Garcia Morilla...

- Mas, Francisco, essa tal especialista que veio a Bissau, julgando que eram casos de diarreia em crianças, que fez ela?

- Olhe, lembro-me bem. Foi Colette Roure, uma médica francesa que logo abraçou o problema. Regressou a Genebra com a descrição completa da situação que, repito, afetava adultos em idade ativa.

- Qual a razão do Francisco tanto insistir na diferença entre crianças e adultos?

- Repare que o sistema imunitário dos adultos é incomparavelmente mais eficaz quando é comparado com as idades infantis. Está mais desenvolvido. Por isso, habitualmente, os adultos saudáveis não são afetados por doenças infeciosas devido às defesas que adquiriram ao longo dos anos. Isto é, têm anticorpos protetores, ao contrário do sistema das crianças que é ainda imaturo.

- Nesse caso, essas pessoas adultas apresentaram doenças que seriam comuns em crianças. É isso que pretende dizer-me?

- É isso mesmo. Os doentes adultos que morreram adquiriram uma fragilidade do respetivo sistema imunitário que explicaria a vulnerabilidade a que ficaram expostos. As suas defesas passaram a não poder evitar certas infeções que seriam facilmente debeladas se o sistema imunitário funcionasse normalmente.

- Agora entendo a designação SIDA ao indicar Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. Mas, se antes não existia, como foi contraída?

(continua)

Ex-diretor-geral da Saúde

franciscogeorge@icloud.com

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