Opinião pessoal (LXXII) Sobre a SIDA
Ainda sobre a SIDA, hoje, prossigo a reprodução de excertos da conversa que tive com Almeida Santos, em 1989, à margem da visita oficial que fez a Bissau.
Senti, então, uma espécie de temor, atendendo à sua dimensão de líder político e governante do meu país. Pairava no ar algum stress. Mas, por outro lado, eu estava seguro dos conhecimentos sobre o tema e da minha capacidade de comunicação sobre a evolução da pandemia.
O nosso diálogo parecia ser uma entrevista ao estilo de um exame.
Com firmeza, Almeida Santos interroga:
- Ó Francisco, para vocês, médicos, qual foi o receio principal? Como foram descobertas as formas de transmissão e o agente?
- Olhe, primeiro foi preciso conhecer os modos de transmissão da infeção, mesmo antes do cientista francês Luc Montagnier ter identificado o vírus, em 1983. Cedo verificou-se que os líquidos orgânicos infetados podiam transmitir o agente, incluindo por via sexual e da mãe infetada ao filho na gravidez e parto. O grande medo era saber se a infeção poderia ser transmitida por picada de mosquitos, como acontece com tantas doenças tropicais.
Almeida Santos, comentou, em tom assertivo:
- Sim, porque se isso fosse possível, a transmissão da SIDA seria inevitável, visto que ninguém consegue defender-se de uma picada de mosquito ao longo da vida!
- Claro. Se, por hipótese, assim acontecesse, todos estaríamos expostos. O cenário teria sido outro. Foi essa a razão dos médicos guineenses terem escolhido como slogan para os cartazes que a “SIDA É EVITÁVEL”, na ideia da promoção do uso da “camisinha”.
- Percebe-se que nada tem de semelhante ao paludismo! Teria sido uma tragédia!
- Mas, note que o paludismo pode ser prevenido e curado com medicamentos, ao contrário da SIDA. Curiosamente, os parasitas do paludismo destroem os glóbulos vermelhos do sangue e, agora, os vírus da SIDA penetram nos glóbulos brancos. As partículas virais destroem os glóbulos que asseguram as defesas, o que explica a fragilidade do sistema imunitário a seguir à infeção que foi adquirida. Não esqueçamos que os glóbulos brancos produzem anticorpos protetores.
- Então, é isso! Mas, Francisco, há já um medicamento! Vamos ter uma vacina?
- É verdade. O AZT foi introduzido, desde 1987. Alcançou rapidamente licença como medicamento para a SIDA. É comprovadamente eficaz. Mas, realço que o vírus não é eliminado do organismo que infetou. Porém, a vida do doente é prolongada, desde que seja tratado com esse medicamento. Já a vacina não será fácil. Não está no horizonte.
PS. Em Lisboa, 20 anos depois, voltaria a reencontrar Almeida Santos, mas em ambiente privado. Disse-me, então, que se lembrava das nossas conversas de Bissau.
Ex-diretor-geral da Saúde
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