Opinião pessoal (LXX). Sobre o início da SIDA
Em Novembro de 1989, tal como combinado, retomei a conversa com Almeida Santos, em Bissau. Encontrei-o, como previsto, à beira da piscina do hotel a “banhar-se” ao Sol. Era um dia de calor, como é habitual nessa época de transição para a estação seca, mais amena.
As questões de Saúde Pública ocupariam o centro do nosso diálogo. Almeida Santos começou por querer saber a origem da SIDA que julgava ter tido como epicentro as savanas africanas. Sem rodeios, perguntou-me:
- Visto que está aqui desde 1980, como percebeu o início da SIDA?
- Olhe, ninguém admitia que um problema desta natureza pudesse surgir de forma tão inesperada. Bem pelo contrário. O tom dos discursos dos cientistas e académicos era no sentido contrário. Todos acreditavam no controlo iminente das doenças infeciosas. Houve até um governante americano que chegou a defender que as Universidades retirassem os tratados sobre doenças transmissíveis! Não era aceitável a hipótese de surgir um novo vírus, uma nova doença capaz de provocar uma pandemia, como aconteceu a partir de 1980.
- Mas, Francisco, aqui na Guiné-Bissau, o que aconteceu ao princípio? Se a doença antes não existia, como foi, então, identificada? Refiro-me aos primeiros casos.
- Tem razão em formular essas questões. Foi um tempo tão inesperado e difícil. Foram meses e anos Inesquecíveis. Posso dizer-lhe que aterrei em Bissau, em Outubro, de 1980, logo a seguir a ter participado em reuniões de briefing na Sede da OMS de Genebra e depois em Brazzaville. Ninguém mencionou qualquer problema preocupante. Ninguém, sublinho.
- Mas, como se apercebeu do “furacão”? Foi mesmo imprevisível? Inesperado?
- Sim, tudo o que aconteceu não foi antecipado!
- Já percebi. Mas, quais foram os primeiros sinais?
- Ao longo de poucas semanas, em 1980, registaram-se seis óbitos em adultos com diarreia prolongada, no Hospital Simão Mendes de Bissau. Ora, habitualmente, como saberá, a diarreia é perigosa em crianças e não em adultos. Eram quadros clínicos de evolução imparável até à morte. Todos apresentavam sintomatologia grave, incluindo acentuada perda de peso. Esta situação foi imediatamente comunicada pelas autoridades guineenses ao Representante da OMS, em Bissau, que era o médico espanhol Garcia Morilla, com quem trabalhei.
- O que fez ele?
- Eu entendia-me bem com Morilla. Ele falava em castelhano e eu em francês! Escreveu, logo, um telegrama a alertar a Sede como primeira medida. Na época, as comunicações internacionais seguiam por telegrama porque os telefones funcionavam mal. Por lapso, talvez porque o texto era curto demais, os serviços centrais enviaram uma especialista em diarreias infantis!
(continua)
Ex-diretor-geral da Saúde
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