O elétrico de Tennessee
Se o tema é desejo, é o Elétrico de Tennessee que me vem de imediato à memória. O fascínio causado por aquele retrato provocador de uma América sentada no divã a analisar os dilemas morais de uma sociedade conservadora nos anos do pós-(II)guerra, levado ao grande ecrã por Elia Kazan, objeto de... desejo no turbilhão da adolescência.
A tensão constante entre o machismo rude de Stanley Kowalski, que deu fama a um então jovem e sedutor Marlon Brando, e a fragilidade emocional de uma incompreendida Blanche Dubois (que valeu Óscar à excelente Vivian Leigh) domina um caldeirão que mistura a cultura machista dominante, a condenação moral da liberdade sexual da mulher, o tabu da homossexualidade, a luta de classes, imigrações... Está ali tudo.
Mas, sobretudo, Um Elétrico Chamado Desejo permitiu-me a descoberta maior de um dos grandes escritores/dramaturgos americanos do século XX, um génio dos retratos sociais e humanos com dom especial para despir almas complexas.
Tennessee Williams cresceu ele próprio num ambiente disfuncional - o pai caixeiro-viajante alcoólatra e mulherengo, a mãe reprimida e deprimida, a irmã mais nova diagnosticada com esquizofrenia e lobotomizada após abusos sexuais do pai...
Referências autobiográficas que invadem as suas obras (Um Elétrico Chamado Desejo, Gata em Telhado de Zinco Quente, Bruscamente no Verão Passado, A Voz do Desejo...), histórias corrosivas mergulhadas em conflitos familiares, tensões sexuais e dramas psicológicos.
Ora, na escrita de Tennessee, a vida anda sempre de mãos dadas com o desejo (carnal, espiritual ou material, porque não?). Lembrou-o assim a arrebatadora Blanche Dubois, "condenada" pelo conservadorismo moral da época. "O oposto da morte é o desejo." E essa parece-me uma boa casa de partida a cada ano.
Bons desejos.