Vamos afundar o país? Sim, vamos afundar o país!
O jornal i recordava no dia 1, no 30.º aniversário da entrada de Portugal na CEE, que o país recebeu 96 mil milhões de euros em fundos comunitários. Uns dias antes tinha lido um artigo no Expresso que explicava, tintim por tintim, como ao longo dessas mesmas três décadas o crédito imobiliário concedido irresponsavelmente ou fraudulentamente desembocou numa perda, direta ou indireta, admitida pela banca, entre 2008 e 2014, de cerca de 40 mil milhões de euros.
Quer isto dizer que mais de 40% do dinheiro vindo da CEE e da União Europeia perdeu-se numa loucura fraudulenta? O artigo coordenado por Pedro Santos Guerreiro não faz essa ligação e ela não será direta, ou seja, a um caso de investimento resultante de um subsídio de um fundo comunitário não corresponderá sempre, passados 10 ou 20 anos, um caso de crédito malparado, seja por incompetência seja por ação criminosa.
Acontece, porém, que a realidade da crise dos últimos anos e o que ela permitiu revelar de desmandos e abusos aponta para a possibilidade de o valor do desperdício da oportunidade dada ao país pelos subsídios comunitários poder ser muito bem esse: feita toda a equação do intricado percurso do dinheiro, com créditos exagerados, comissões injustificáveis, offshores imorais, perdões fiscais à mistura e desvalorizações bolsistas dramáticas, eu não possa ser acusado de insanidade irrealista se atirar ao ar esta frase: "por cada milhão vindo da Europa, 410 mil euros foram para o bolso de alguém que os roubou". Se errar nesta conta negra, se calhar, é por defeito...
O pior é que, para cima das perdas bancárias, direta ou indiretamente, está sempre a ser deitado dinheiro dos contribuintes que cobrem falências e prejuízos da banca em valores tão elevados que acaba por se tornar cristalinamente sensato perguntar se vale a pena o esforço, se, no fundo, não era mais barato os bancos serem mesmo do Estado, já que, no fim, acabamos todos a pagar a incompetência da gestão privada?...
Alegremente vejo os principais articulistas da especialidade a confiar no futuro pelo facto de o controlo da situação passar para o Banco Central Europeu, esperançosos em que as novas regras de regulação impeçam novos problemas. Como o homem que comanda essa regulação se chama Vítor Constâncio, o mesmo governador do Banco de Portugal "torpedeado" no caso BPN, não vislumbro motivo para tanta fé.
E esperar que a União Bancária, um lago onde nadam tubarões muito maiores e mais vorazes do que os peixinhos financeiros portugueses, seja água limpa e segura para pôr a nadar o nosso dinheiro só pode mesmo ser vontade de afundar, de vez, o que resta do país.