Os Papéis do Panamá são mesmo notícia?

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Estamos escandalizados com as possíveis fugas ao fisco de Pedro Almodóvar e Jackie Chan ou com as hipotéticas vigarices dos líderes da Islândia, da Ucrânia ou da Argentina? Estamos indignados com a "otimização fiscal" do dinheiro de Lionel Messi e Michel Platini, com a movimentação de milhões de euros por contas do amigo violoncelista do presidente Putin ou por ver como o falecido pai do primeiro-ministro David Cameron geriu, durante 30 anos, um fundo para ricos que nunca pagou impostos?

Gostava que a revelação dos terabytes de informação que analogicamente chamamos de "Papéis do Panamá" começasse, à partida, por separar o trigo do joio: primeiro notícias sobre casos de Estado e só depois outras ilegalidades mais corriqueiras. Mas não é possível...

Se confundirmos tudo, como sempre acontece, num frenesim mediático sem inteligência, entregaremos à voracidade da multidão meia dúzia, uma dúzia, duas dúzias de bodes expiatórios, mas, depois, com o tempo, saciada a turba, o sistema adapta-se, os espertos escapam e o essencial fica na mesma.

De resto, para ser franco, estamos escandalizados porquê? Então não sabíamos que as offshores existem? Não sabíamos que elas serviam para branquear dinheiro obtido por corrupção, roubo, violência, traficância? Não aceitámos como "legal" a sua utilização para evasão fiscal de dinheiro "respeitável"? Não sabíamos que parte das grandes fortunas pessoais no mundo, bem como receitas equívocas de conglomerados empresariais, usam offshores para enganar Estados, roubar contribuintes?

Não confirmamos com o Swiss Leaks que a Suíça lava mais branco? Não lemos o Lux Leaks, onde o atual presidente da Comissão Europeia apareceu como facilitador da evasão fiscal? E não aceitámos que o inquérito político ao caso morresse no Parlamento Europeu?

Não estamos fartinhos de saber que só uma empresa do PSI 20, em Portugal, tem a sua sede fiscal no nosso país? Não aceitamos, cúmplices, este estado de coisas no mundo? Não ficámos já todos habituados à globalização da falcatrua? Não é já corriqueiro? Estamos espantados porquê?... Os Papéis do Panamá são mesmo notícia?

PS - Quero agradecer ao presidente Marcelo por, dois dias depois do meu texto da semana passada a notificar os leitores sobre a sua monótona gravata azul, ter aparecido a inaugurar a Cidade do Futebol com uma gravata de cor diferente que, aliás, resistiu mais uns dias: dessa vez a gravata foi vermelha. Isto é que é pluralismo!... Sugeria, se não fosse abuso, a adoção do método de Hondt na distribuição de gravatas presidenciais com as cores azul, laranja, rosa, vermelho e verde... Pode ser? Esqueci alguma?...

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