O debate sobre o futuro de nada


O debate do Estado da Nação não foi exatamente sobre a Nação. Foi sobre o futuro da geringonça e sobre o estado do PSD.

O discurso de Fernando Negrão teve como destinatário não o governo ou os portugueses mas o grupo parlamentar que quer liderar. O interessante foi perceber, mais uma vez, que neste momento há dois discursos tão díspares no PSD que parece que estamos perante dois partidos diferentes - sendo a Justiça um exemplo evidente.


Mas a questão central do debate foi a geringonça. Não a que ainda suporta o governo e que, salvo algum cataclismo, aprovará o próximo Orçamento. Essa já está morta e enterrada desde que os acordos entre os partidos se cumpriram - o que transformou o governo num mero executivo de gestão. Do que se esteve a falar foi do futuro da relação entre PS, BE e PCP depois das legislativas. Daquilo que Augusto Santos Silva, no entender de muitos, quis matar antes mesmo de ter hipótese de nascer.

Das duas uma: ou questões como a legislação do trabalho, Segurança Social ou, sobretudo, os compromissos europeus não são identitários, ou então não é necessário que o próximo governo cumpras as metas ou mude o que quer que seja


De facto, Santos Silva não matou coisa nenhuma, na medida em que não se pode matar o que está morto. Bastou-lhe falar em política europeia para dizer o óbvio. Não se prevendo uma mudança nas regras europeias e continuando em vigor o tratado orçamental (é verdade que não mudando essas posições estamos condenados à estagnação e a um empobrecimento inevitável, mas não é essa agora a questão em análise), não é possível encaixar as posições do BE e do PCP. O MNE até chega a considerar algo que sabe ser impossível: uma mudança histórica nos dois partidos. Ou seja, que eles deixem de ser o que são.


Não era sequer necessário falar da Europa. Não há questão estruturante em que o PS esteja de acordo com os partidos do seu lado esquerdo: legislação do trabalho, Segurança Social e investimento público são alguns exemplos. António Costa teve afirmações que visavam amenizar as palavras de Santos Silva, mas deixaram mais clara a questão de fundo. Disse o primeiro-ministro que não acredita ser possível ultrapassar divergências identitárias, mas que não considerava que isso fosse necessário.


Das duas uma: ou questões como a legislação do trabalho, Segurança Social ou, sobretudo, os compromissos europeus não são identitários, ou então não é necessário que o próximo governo cumpra as metas ou mude o que quer que seja.


Uma das coisas mais estranhas deste processo é a questão de haver ou não outro entendimento entre os três partidos - que apenas existirá se, pelo menos, um deles mudar radicalmente de posições de princípio - se ter tornado a mais relevante na política nacional. Há duas razões para isso.
A primeira foi ter-se decretado que não mais podia haver entendimentos fora da lógica PSD/CDS ou PS/BE/PCP. Os blocos ter-se-iam se tornado estanques para todo o sempre. Esta tese tornou-se tão predominante que agora está a ser difícil voltar à realidade. A segunda é mais simples: falta de memória. Durante quarenta anos, o PCP e depois o BE não apoiaram soluções de governo, bem ou mal, e o país não deixou de ter um governo e até se safou muito razoavelmente.

2. Rui Rio tem de convencer o partido


Rui Rio disse em entrevista à TSF que "está a ser mais fácil passar a mensagem aos portugueses do que ao partido".
Tem razão. Mas é urgente e essencial convencer os militantes de que o caminho que Rio está a percorrer é o certo. Claro que, sobretudo, num partido como o PSD existirão sempre movimentos de oposição interna e é certo que Rui Rio tem forças muito importantes e fortes a querer derrubá-lo desde o interior. Nunca se viu, porém, um partido ganhar eleições sem estar mobilizado. No mesmo sentido, é no partido, fundamentalmente, que estão as pessoas que exercerão o poder, no caso de vitória.
O erro que Rio não pode de forma nenhuma cometer é deixar passar a mensagem que o país está contra o partido, mas está a favor dele. Nem ganhará eleições nenhumas e deixará no ar que não se opõe ao perigosíssimo jogo dos que têm um discurso contra os partidos.

3. Trump e um novo mundo

O desempenho de Trump nesta semana não terá sido surpresa para ninguém. Foi, sim, a enésima confirmação de que na Casa Branca temos um inimigo. Os Estados Unidos, a quem tanto devemos e que tanto fizeram pela promoção de direitos que hoje julgamos fundamentais, já não são nossos aliados - como escrevia Ivan Krastev no The New York Times, Trump não acredita em aliados. Como é comum na estratégia de alguém que se assume como inimigo, o presidente dos EUA pretende desunir os seus antigos aliados e não hesita em mostrá-lo.
Nunca foi tão necessário ter uma Europa unida e é exatamente nesta altura que corremos tantos riscos de desunião.
A Europa é o último bastião da defesa dos valores que tanto custaram a conquistar. Se o projeto europeu soçobra é toda uma forma de vida que se destrói, é o Ocidente que morre e um novo e muito perigoso mundo que nasce. Um que será, de certeza, muito pior.

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