Não são rimas, são direitos
No rescaldo das comemorações do 25 de Abril, António Costa sentiu necessidade de defender as instituições europeias: "Ninguém consegue conceber a democracia e a liberdade em Portugal fora do quadro da União Europeia." Em causa está a resposta à deputada do Bloco de Esquerda Isabel Pires, que afirmou que "Abril nunca rimou com Eurogrupo". Reconhecendo mérito na crítica fonética da deputada, rejeita a crítica política indicando que "Eurogrupo não rima com liberdade mas fortalece a liberdade". Estou em desacordo com essas afirmações.
O Eurogrupo foi o parteiro do programa da troika que atacou Portugal no governo PSD-CDS. Em todas as revisões desse programa, em que era pedido sempre mais, era no palco do Eurogrupo que os direitos do nosso povo eram espezinhados. Curiosamente, o agora devoto António Costa, foi quem iniciou uma governação em 2015 que procurava escapar da opressão do Eurogrupo.
A decisão de aumento do salário mínimo, o Orçamento do Estado para 2016 e o reforço de verbas para apoios sociais que continha, a eliminação dos cortes salariais na administração pública, a reposição dos feriados roubados, todas estas escolhas foram colocadas em causa pelo Eurogrupo. Foi no confronto com a agenda europeia da austeridade que mostramos a nossa liberdade e materializamos essas políticas, garantindo o crescimento económico que agora existe.
A Constituição da República Portuguesa, pedra em que se inscreveram os direitos conquistados em Abril de 74, foi violentamente atacada pelo Eurogrupo. Os seus súbditos PSD e CDS colecionaram vetos do Tribunal Constitucional a orçamentos do Estado. Da parte das instituições europeias vinha a vontade de dinamitar essa pedra fundamental com a vertigem austeritária. A estabilidade constitucional que o governo agora apregoa foi conquistada à tirania do Eurogrupo.
E se o passado recente da relação do Eurogrupo com Portugal quase parece cadastro, porque quer o primeiro-ministro reescrever a história? Agora é Mário Centeno o presidente do Eurogrupo e é isso que António Costa pretende defender.
A questão de fundo é que não estamos a discutir a presidência do Eurogrupo, mas sim a sua orientação política e a sua função institucional. Aquele é um grupo informal que serve para impor o cumprimento dos tratados europeus. Ora, esses são os mesmos tratados que têm atacado os direitos dos povos, que garantem a sangria dos recursos do país para a sede dos mercados financeiros, rejeitando a defesa dos serviços públicos. Pode alguém ser quem não é? O Eurogrupo não, independentemente de quem seja o seu presidente.
A proteção de António Costa a Mário Centeno não parece ser conjuntural, é o regresso do PS a uma visão que parecia ter desaparecido em 2015. Basta lermos o que escreveu recentemente Augusto Santos Silva, afirmando que o caminho da social-democracia "pensado a partir de Portugal exige mais, não menos, vinculação à União Europeia e aos seus processos de debate e decisão".
Quando Mário Centeno faz uma execução orçamental de 2017 em que duplica as metas de Bruxelas no saldo estrutural, mantendo o investimento público nas ruas da amargura, percebemos que isso faz parte da maior vinculação à União Europeia que Santos Silva escreve. Quando o governo recusa investir a folga orçamental - criada pelo crescimento económico - no Serviço Nacional de Saúde, sabemos que é a vontade de mostrar serviço a Bruxelas.
Ora, este caminho é uma dupla traição do PS ao que o próprio PS tinha prometido ao seu eleitorado. Prometeu que conseguiria fazer uma interpretação inteligente dos tratados e defender os serviços públicos, mas como essa conciliação é impossível prefere dar prioridade aos tratados ficando os serviços públicos em agonia. Criticou PSD e CDS por irem além da troika e agora quer ir além de Bruxelas.
Mas é, acima de tudo, o regresso ao equívoco ideológico da "terceira via". Santos Silva desespera para resgatar a sua atualidade, António Costa submete-se a essa visão. Querem ignorar a realidade e rejeitam aprender com a história: hoje percebe-se que foi esse caminho centrista que levou os partidos socialistas à escala europeia ao fade out recente. O que deu ao PS "imunidade à crise na família" foi a realização de acordos à esquerda que tiveram uma influência fundamental na governação. De outra forma, o caminho estava traçado e não era risonho.
Sabemos o que rima com Eurogrupo, saberá o PS em que verso encaixa. Dizia Manuel Alegre que não há "Liberdade sem igualdade". Acrescento eu que não há igualdade sem serviços públicos de qualidade, na saúde e na educação. É por isso que o Eurogrupo ataca a nossa liberdade.
Líder parlamentar do Bloco de Esquerda