O ano letivo não pode acabar às três pancadas

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A educação não vai retomar o seu funcionamento normal após as férias da Páscoa. Algo de novo tem que ser imaginado para concluir bem o ano letivo.

O assunto é menos premente no ensino superior, no qual a penetração do acesso a computadores e internet é elevada e a preparação para transitar do ensino presencial para o ensino a distância era bastante maior do que parecia (o que diz, aliás, algo de relevante sobre a inércia neste nível de ensino, mas essa é a outra história). Mas no ensino básico e secundário só se fossemos desconhecedores da realidade do país poderíamos presumir que o ensino a distância em moldes próximos do que está a ser praticado neste momento permitiria atingir níveis de aprendizagem aceitáveis e em condições de equidade social.

As aulas a distância no básico e secundário, para já e quando existem, limitam-se a pequenos vídeos explicativos ou de correção de trabalhos de casa. A estratégia pedagógica adotada apostou no trabalho autónomo dos estudantes, convidados a fazer montanhas de exercícios. Assim, garante-se a questão importante de manter hábitos de trabalho nesta fase de isolamento social. Mas não se promove de modo sustentável novas aprendizagens e não é garantido aos alunos o acesso a ensino de qualidade igual ministrado por profissionais preparados a todos os alunos de todas as origens sociais.

A metamorfose dos pais em professores auxiliares cria uma enorme desvantagem para os alunos dos meios socioeconómicos desfavorecidos que nem a escola presencial e profissional neutraliza totalmente e que o tipo de ensino a distância neste momento disponível amplia.

Acresce que muitos professores não têm familiaridade com o ensino a distância e bastantes alunos não têm acesso a todos os dispositivos tecnológicos requeridos e que não são só computadores, é também a net, os scanners e as impressoras.

Esta situação pode ser uma boa ocasião de lamentarmos que tenha sido destruído o trabalho nas tecnologias educativas e na inovação que o Ministério da Educação em Portugal já teve no passado. Mas, nesta como noutras matérias, não vale a pena chorar agora, apenas aprender para resistir com mais energia para quando nova onda neoliberal voltar e achar que os serviços públicos são gorduras a abater de um Estado obeso.

Não depreendam que tenho uma atitude pessimista ou uma análise mal-agradecida aos professores e às escolas. Elas e eles merecem ser saudadas pelo esforço que estão a fazer. Mas seria panglossiano imaginar que o que se viu até agora vai levar a uma conclusão bem-sucedida do ano escolar.

A 9 de abril o Governo anunciará medidas que tornarão seguramente o ensino a distância mais sólido, mais generalizado e mais acessível aos alunos. Consigo imaginar várias alternativas, desde a emulação da telescola - que, não esqueçam, era apoiada por monitores presenciais - ou o uso mais generalizado de aulas remotas por meios audiovisuais ao desenvolvimento, certamente em curso, de materiais pedagógicos que reforcem os que estão já disponíveis nas plataformas das editoras e os que estão a ser produzidos no trabalho empenhado de cada professor.

Acredito que a equipa do Ministério da Educação esteja a preparar um plano de contingência para o terceiro período e que esse plano, contando com o contributo de especialistas,professores, pais e alunos, levará a sério a dimensão do desafio e não cederá à tentação de um encerramento apressado e pouco exigente do ano letivo. Mas, tendo essa confiança, partilho duas ou três opiniões sobre o que poderia ser feito, assumindo que o país vai levar tão a sério o desafio educativo que o covid-19 coloca como se está a levar o desafio de saúde pública.

Se não haverá condições para a retoma das aulas presenciais de modo generalizado pelo menos até ao fim de maio, para que os hábitos de trabalho dos alunos se mantenham é necessário continuar a realizar e aperfeiçoar as modalidades de ensino a distância que cada professor e cada escola estão a imaginar e pedir desde já aos professores mais capacitados nestas metodologias que partilhem os seus trabalhos com os colegas, numa cocriação pedagógica que permita ao máximo de professores o acesso aos melhores materiais possíveis. Os sites do Ministério da Educação podiam desde já, aliás, criar repositórios de aulas, materiais e exercícios para uso comum dos professores.

Mas não acredito que haja forma de acabar de modo justo o ano letivo sem que se regresse a um período final de aulas presenciais antes das avaliações finais. O que implicaria necessariamente prolongar o ano letivo por junho e julho. Bem sei que isso destruirá muitos planos de férias de pais e professores, mas nada é normal, agora, e a partilha de sacrifícios tem que ser estendida a este investimento no nosso futuro coletivo.

Do mesmo modo, pode adiar-se as provas de ingresso ao ensino superior para setembro, dando aos alunos a possibilidade de estudar em ambiente mais tranquilo e parcialmente pós-crise, atrasando, se necessário, o inicio do primeiro ano no ensino superior para novembro ou dezembro, o que pode sem dramas ser reabsorvido com um ligeiro atraso no próximo ano letivo.

Não estou, evidentemente, seguro de que sejam estas as melhores propostas e muitas outras haverá, mas estou certo de que um encerramento atabalhoado do ano letivo, que pactue com o improviso que estamos a viver, trará muitos prejuízos para a credibilidade da escola pública e efeitos negativos na sua missão de garantir a todos uma aprendizagem de qualidade.

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