Alguém na oposição tem de dizer ao povo que o rei vai nu

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Ser jornalista é fazer perguntas, mas não compete aos jornalistas substituir a oposição. Feitas as perguntas, obtidas as respostas, deve ser o poder político a fazer o debate sobre as consequências da informação conhecida. Quando um jornal toma uma posição sobre um assunto que diz respeito a todo o país ou um jornalista dá a sua opinião contribuem para o debate público e, quando entrevistam os responsáveis políticos ou revelam informações cruciais, os jornalistas cumprem a sua função. No fim, o que conta é o que os eleitos decidem. Terá de ser a ministra da Administração Interna a decidir ou, por ela, o primeiro-ministro sobre as condições políticas que existem para se manter no cargo. À oposição compete determinar em que momento e em que circunstâncias deve exigir responsabilidades políticas. O tempo da política não é o tempo do jornalismo, nem do comentário.

Sendo evidente que por ter havido uma tragédia ela não é resolvida só porque alguém se demite, sendo igualmente verdade que sem responsabilidades determinadas se torna difícil defender que alguém as assuma, há na dimensão da tragédia uma obrigação ética de procurar a verdade, para que ela, de forma clara e concisa, seja apresentada a todos os portugueses.

Ultrapassada a fase de luto, é tempo da política. Mesmo fragilizada pela asneira de procurar proveitos políticos em alegados suicídios, a oposição liderada por Pedro Passos Coelho tem de dizer ao povo que o rei vai nu. A máquina de comunicação do governo está claramente a controlar a gestão da informação, de uma forma que, quando chegar a altura de se tirarem conclusões, todos nós teremos a sensação de já saber tudo, não sabendo nada na verdade.

Olhemos para um pormenor da entrevista de Constança Urbano de Sousa ao DN e à TSF. A ministra defendeu que não se podem estar a lançar "inquéritos sobre inquéritos". O que faz o governo? Lança inquéritos sobre inquéritos. A questão é que a ministra tem toda a razão no que diz e não no que faz, porque - como também diz nessa entrevista - "a resposta tem de ser dada de forma cabal e não pode ser dada de forma parcelar ou de forma intermitente". Pois que é assim que ela nos tem chegado.

Acresce que esta forma de informar tem como consequência uma grande desinformação. As comunicações falharam ou não falharam? Falharam na opinião da Associação Nacional de Proteção Civil, mas estiveram bem no relatório do próprio SIRESP. Idem com a GNR. O governo andou a ser enganado durante o período que durou o combate ao incêndio, com cada organismo a dizer-lhe uma coisa diferente, e agora vende à opinião pública como comprou. Acontece que o governo já sabe que comprou estragado e mesmo assim desiste de, "com seriedade, analisar e cruzar" a informação de modo a evitar "conclusões precipitadas", como também defendeu a ministra na entrevista.

Com esta informação que nos chega às pingas, de forma contraditória e parcelar, o executivo alega que está a agir com toda a transparência. Pode até ser que seja essa a intenção, mas as consequências começam a estar à vista. Longe de ter a comissão independente de peritos a funcionar, a informação com que essa comissão vai trabalhar já está altamente condicionada.

O pior que nos podia acontecer a todos, mesmo aos que estão no governo, era chegar ao fim desta história e não ter percebido nada do que se passou. Até agora, só nos deram guerras de versões contraditórias. Entre os que dizem que pouco ou nada falhou e os que dizem que falhou quase tudo há 64 mortos contabilizados.

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