E depois do adeus

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O título da canção que deu a senha para o 25 de Abril talvez seja uma boa homenagem a Mário Soares no dia em que o país termina o luto pelo seu desaparecimento.

E depois do adeus? Fica a liberdade que defendeu, a democracia consolidada, um sistema pluripartidário consistente e até inventivo, um Presidente da República que também procura os afetos populares como ele, um país ainda longe da riqueza que devia ter, mas que é muito menos pobre do que em 1974.

Não ficou uma Europa forte, solidária e tolerante. Nos últimos anos, o rumo da União Europeia preocupava-o muito e dela davam nota vários dos artigos de opinião que escreveu para o Diário de Notícias. Mário Soares percebeu a força da aliança dos Estados europeus na década de 1960. Na de 1970, conviveu com os principais líderes europeus e acumulou experiências nos palcos políticos com Willy Brandt, Olof Palme, Bruno Kreisky, François Mitterrand, Pietro Nenni e De Martino. Foi com todos eles que partilhou o ideal da integração europeia. Bateu-se sem tréguas pela entrada de Portugal na então CEE e, apesar de todos os obstáculos, conseguiu--a em 1985. Soares deu a machadada final no nefasto "orgulhosamente sós" e iniciou ao orgulhosamente acompanhados. Porque acreditava que Portugal ficava mais forte assim e que a Europa podia ser uma âncora de estabilidade para o mundo.

Os líderes europeus não corresponderam às suas aspirações. Em 2011, em plena crise financeira em Portugal, escrevia nas páginas do jornal sobre os perigos da desagregação europeia: "Os nacionalismos egoístas conduzem, como sucedeu no passado, a guerras cruentas. Julgo que os europeus não querem voltar aos horrores desse tempo. E, pelo contrário, a solidariedade entre os Estados e as nações leva--nos ao diálogo, ao bom entendimento e à paz, em que a Europa, com todas as suas fragilidades, tem vivido desde há 66 anos. É isso que queremos perder? Quero acreditar que o bom senso dos povos europeus teme esse imenso perigo que, por causa da ganância dos mercados, nos está a bater à porta..." Mas otimista também concluía: "O que conta são as pessoas. E estas vão reagir e vencer os desafios que se lhes põem. Como a UE, no seu conjunto. É uma questão de tempo."

E depois do adeus quanto mais tempo vamos esperar por líderes europeus que tenham a estatura e a visão de políticos como Mário Soares? Sejamos otimistas como ele foi. É tudo uma questão de tempo até estes políticos perceberem os erros que estão a cometer. Talvez deles renasça uma nova Europa. Mais próxima da que Soares sonhou.

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