Arranjinhos que nos tramam
Rui Moreira foi extraordinariamente inteligente ao ter exercido máxima a pressão sobre o governo para que a cidade escolhida para a candidatura à Agência Europeia de Medicamentos (EMA) fosse o Porto e não Lisboa, como inicialmente tinha sido anunciado. Em período de pré-campanha eleitoral é o autarca do Porto e recandidato ao cargo que capitaliza os ganhos da candidatura, cujo vencedor estará decidido a 15 de novembro, já depois das eleições autárquicas.
É cristalino que Rui Moreira não precisava desta muleta para ganhar as eleições no Porto, mas passar a imagem de que conseguiu vergar um governo do PS pode ser mais um ponto a favor da maioria absoluta que não conseguiu em 2013.
Há quatro anos, a candidatura independente de Rui Moreira foi uma lufada de ar fresco e mostrou como mesmo fora da quadratura tradicional dos partidos - ainda que tenha sido apoiado pelo CDS - havia espaço para projetos políticos bem-sucedidos. Ainda assim, Rui Moreira não conseguiu uma maioria absoluta e aliou-se ao PS para formar um executivo camarário estável.
A coisa correu menos bem neste ano na preparação da recandidatura do independente. Moreira preparava-se para integrar o socialista Manuel Pizarro na sua lista. O PS começou a cantar de galo e a reivindicar o seu quinhão da já previsível vitória do autarca do Porto e a aliança quebrou-se. Moreira mostrou-se indignado, reafirmou a sua independência, e também vergou o PS. À última hora, António Costa teve de apostar as fichas em Pizarro, que foi o primeiro a colocar reticências à escolha de Lisboa.
Entretanto, Moreira ouviu o resto do país anunciar que Lisboa era a cidade escolhida para a candidatura à EMA. Esperou calmamente até junho para pressionar publicamente António Costa. E nem ele próprio deve ter acreditado que o governo tivesse dado o dito por não dito, para estancar a polémica, e a candidatura que era de Lisboa virou do Porto.
Ainda ontem, ao lado do ministro dos Negócios Estrangeiros e em Lisboa, dizia que "há uma década a cidade era incapaz de fazer uma candidatura tão forte". Campanha para quê com tamanho palco? E ainda mais um palco nacional.
Mas, se tudo isto é bom para Rui Moreira - ou para o Porto, perdão - e se ajudou o primeiro-ministro a sacudir a pressão, é mau para o país. Por muitas declarações empolgadas sobre as virtudes
da candidatura do Porto à EMA
- a descentralização, solidariedade inter-regional e tal e coisa -,
a verdade é que Lisboa era a cidade que aparecia com melhores possibilidades de rivalizar com os outros 18 candidatos a acolher a agência que irá sair da Inglaterra.
Se as outras candidaturas de outras cidades europeias à Agência são faladas porque têm mais-valias para acolher as 890 pessoas que integram aquele organismo da União Europeia e os milhares de representantes da indústria que a visitam todos os anos - estima-se que são cerca de 35 mil por ano -, a portuguesa está a ser comentada pelo enviesamento deste processo.
O conceituado jornal online Politico dedicou-nos um artigo em que relata a cambalhota do governo na candidatura e relaciona-a com as eleições autárquicas. O que, é bom de ver, dá-nos uma credibilidade imensa quando as propostas forem analisadas.
Se a aposta tivesse sido genuína no Porto desde o primeiro instante, bem fundamentada, talvez houvesse alguma hipótese de sermos os escolhidos. Assim é quase uma impossibilidade.
Este é um só exemplo de como os arranjinhos e a política doméstica podem estragar um importante investimento externo no país.