Estado das Uniões

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1 - O segundo estado da União de Donald Trump não escondeu o tom apoteótico de uma economia aquecida e acelerada. Ou, como diríamos no Brasil, uma economia a bombar. A verdade é que os dados macroeconómicos norte-americanos são francamente bons. E qualquer observador, de Nova Iorque à Califórnia, do Texas à Florida, percebe isso. Construção em todo o lado. Aumento de consumo. Anúncios oferecendo emprego em muitos locais. Novos pequenos negócios. A classe média está bem e recomenda-se. Os dias da bolsa voltaram aos ganhos loucos. A euforia económica já está instalada. Os mais prudentes já alertam para os perigos de um sobreaquecimento.

A direita reclama que o bom ambiente económico se deve à desregulação massiva nos primeiros 12 meses do novo presidente e, agora, à profunda reforma fiscal que desce os impostos significativamente. Já a esquerda aponta para as políticas económicas do presidente Obama e para a política monetária da FED (onde Janet Yellen foi substituída por alguém mais próximo da atual administração, Jerome Powell). Tecnicamente, todos têm razão. O bom ambiente económico explica-se, evidentemente, por uma combinação de razões, incluindo a incapacidade do presidente Trump para implementar algumas das suas medidas mais controversas (por exemplo, desmantelar a NAFTA).

Contudo, tal como o PSD aprendeu à sua custa, quem governa fica com os créditos e quem está na oposição só convence os convencidos. Para mais, quando a oposição apostou nas profecias da desgraça. Depois de Krugman, Stiglitz e outros grandes nomes da esquerda americana terem andado um ano a explicar que vinha aí o colapso económico, fica complicado agora reclamar que, afinal, em vez de colapso, há uma expansão económica graças ao presidente anterior. Se tivessem falado com os passistas, percebiam que não se pode defender o Armagedão económico e depois ser o mentor das boas notícias. Moral da história - quando na oposição, menos emoção, mais racionalidade, menos cataclismo, mais realismo.

A quase três anos de distância, não podemos prever se Trump fará um segundo mandato. Sabemos que as sondagens nacionais apontam para os 36%-39%, números que sempre teve antes das últimas eleições. Também sabemos que é um presidente polarizador - amado na sua base eleitoral (com taxas de popularidade superiores a 80%) e odiado na oposição (com taxas de popularidade inferiores a 10%). E parece que mantém uma boa vantagem nos cincos estados que realmente determinaram a eleição presidencial - Florida, Ohio, Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.

As boas notícias económicas podem dar uma boa ajuda nas eleições de novembro próximo, em que Trump deve ganhar a Câmara (teria de perder 26 lugares, coisa que se augura improvável com uma economia aquecida) e lutará para manter o Senado (aqui, sim, pode haver alguma surpresa, pois bastará aos democratas ganhar dois lugares). Mas a questão mais pertinente é mesmo a falta de liderança da oposição e a ausência de um nome que possa galvanizar uma coligação vencedora contra Trump. O facto de os principais nomes a correrem em Washington serem Hillary Clinton (seria uma terceira derrota), John Kerry (já perdeu para Bush em 2004) ou Joe Biden (com 78 anos em 2020) mostra uma enorme incapacidade de a esquerda americana encontrar uma alternativa sólida, mais jovem, preparada. Bem sei que é cedo, os democratas ainda têm cerca de um ano para encontrar o seu candidato ideal. Mas parece-me que se vão acumulando sinais favoráveis a uma reeleição de Trump em 2020.

2 - Do outro lado do oceano, o establishment europeu festejou a anunciada coligação CDU-SPD na Alemanha. Contudo, ainda falta saber se as bases do SPD realmente viabilizarão tal acordo no referendo interno (a oposição interna jovem parece estar muito mobilizada e pode estragar a festa) ou se acabaremos em eleições antecipadas antes do verão. É o outro "estado da União".

Percebe-se que o establishment europeu (incluindo muita opinião publicada em Portugal) insista noutros quatros anos de Merkel com um governo CDU-SPD (em vez de um possível governo minoritário da CDU). Promete estabilidade e continuidade, eventualmente algumas pequenas reformas na União Europeia. Mas, a longo prazo, é uma solução absolutamente desastrosa. Primeiro, será o fim do SPD (com apenas 18% nas últimas sondagens publicadas) e um provável sorpasso pelo AfD e pelo próprio Linke (facilmente previsível se, no SPD, a oposição interna à coligação acabar num acordo com o Linke). Segundo, deixará a Alemanha com um enorme eleitorado contrário aos interesses europeus (olhando as atuais sondagens, teríamos 14% AfD, 10% FDP, 7% CSU de um lado e 11% Linke do outro). Terceiro, projeta a prazo um cenário muito semelhante ao austríaco, em que uma democracia cristã muito enfraquecida deu lugar a um governo dominado por populismo antieuropeu com semelhanças à direita húngara, polaca e checa. Bem sei que o longo prazo pouco importa, mas o establishment europeu parece alegrar-se quando foge dos problemas. Nada aprendeu com o brexit. Pagará, inevitavelmente, caro o disparate de insistir em ignorar o eleitorado alemão.

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