Por umas festas dos santos populares e também dos impopulares
Santo António é o santo do meu bairro. Terá nascido perto da Sé, também chamada Igreja de Santa Maria Maior, onde terá feito os seus primeiros estudos. É o padroeiro da cidade de Lisboa (e também de Pádua, onde morreu).
Morreu novo, não terá chegado aos 40 anos, mas distinguiu-se como teólogo, místico, pregador inspirado, homem de cultura e grande bondade, ficou reconhecido e admirado por onde passou - Portugal, França e Itália - como grande figura da Igreja (o primeiro doutor franciscano) e homem venerado e festejado pelo povo.
É dos santos populares o mais popular e as festas em sua honra em Lisboa neste mês de junho são sempre o acontecimento do ano na cidade.
Festas realmente populares, misturando toda a gente, novos e velhos, mais pobres e mais ricos, portugueses e estrangeiros, deambulando pela cidade por entre marchas e arraiais, sardinha assada e vinho barato, música popularucha estridente, multidões aos encontrões pelas ruas estreitas dos bairros antigos.
Festividades que estão para Lisboa como o Carnaval está para o Rio de Janeiro, uma celebração feérica do povo na rua, uma celebração da celebração, mas na versão lisboeta a explosão de sexualidade e transgressão nunca passou de um bailarico de namoricos e bebedeiras numa escala de praceta de bairro.
Gosto de ver as pessoas contentes ou a esforçarem-se para ficar contentes, ainda que a cidade se transforme num pesadelo intransitável de gente e barulho por todo o lado.
Só que penso sempre que gostaria muito mais se, em vez de ser tudo praticamente igual em todos os arraiais de todos os bairros, as celebrações fossem diferentes de sítio para sítio. Tal como a cidade é feita de muitas pessoas diferentes, de muitas
comunidades diferentes, as festas da cidade deviam ser as diferentes festas dessas diferenças.
Com diferentes arraiais, diferentes estilos de música e diferentes petiscos, celebrando a diversidade da cidade. Tendo em comum junho, o mês da cidade, e Santo António, o seu santo padroeiro, a cidade poderia enriquecer-se com uma miríade de novos santos, uns mais populares, outros mais impopulares, porque não? Os santos das minorias, os santos de nicho. Da tradição ou inventados de fresco.
Para além da sardinha assada e da música pimba, poderíamos ter outros paladares e outras danças. Cada recanto seria uma nova surpresa.
É verdade que já há um ou outro arraial alternativo, LGBT, claro, ou um ou outro mais étnico. Mas aquilo de que eu estou a falar é menos das comunidades identitárias e mais da diversão criativa transversal.
Não se trata de cada um festejar a cidade só no ambiente da sua comunidade habitual, trata-se de deambular festivamente com o mesmo espírito geral de celebração por muito mais inesperadas diversas propostas de marchas e arraiais.
Não tenho nada contra festas de multidões, mas gostaria de que a celebração da minha cidade tivesse muitas formas diferentes de celebrar o igual direito à sua festa.
Vou escrever uma quadra a pedir este desejo ao Santo António e vou pô-la num manjerico à minha janela virada para o bairro.