As universidades e o emprego científico

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1 O emprego científico em Portugal teve um desenvolvimento suportado quase exclusivamente por programas de formação no âmbito dos centros de investigação das universidades. Nas modalidades de bolsas de pós-doutoramento ou de bolsas de investigação, numa relação direta entre os investigadores e a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), ou mediada pelos centros de investigação, os vários programas permitiram que milhares de jovens, depois de concluírem o seu doutoramento, continuassem a desenvolver atividades de investigação, ultrapassando as resistências e tentações de mandarinato das hierarquias académicas. Contudo, ao fim deste tempo, acabou por se consolidar, na investigação e para estes investigadores, um espaço paralelo às atividades de ensino e à carreira docente muito marcado pela incerteza e pela ausência de perspetivas de futuro.

2 Desde 2008, vários governos procuraram criar quadros de maior estabilidade e dignidade para o emprego científico. O principal mecanismo usado foi o da substituição progressiva das bolsas de pós-doutoramento por contratos de trabalho a termo celebrados entre os investigadores e as instituições científicas, mas financiados pela FCT. As várias edições do programa Investigador Ciência, Laboratórios Associados e Investigador FCT são o exemplo desse esforço.

Esperava-se que, neste período de tempo, as universidades tivessem ganho capacidade para, no final dos contratos, integrar parte daqueles investigadores, quer através da renovação do seu corpo docente envelhecido quer através da criação de quadros de investigação ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigador Científico (ECIC). Por um lado, porque grande parte daqueles investigadores são essenciais para o desenvolvimento do ensino, da investigação e da produção científica universitária e, por outro lado, porque com a saída para a reforma das gerações mais velhas se iam libertando verbas orçamentais para tais contratações.

Porém, à medida que os contratos de trabalho celebrados ao abrigo de tais programas foram terminando, a maioria dos investigadores voltou a uma condição de desemprego ou de grande incerteza, por vezes até à condição de bolseiro, candidatando projetos atrás de projetos para conseguir um financiamento que lhes permitisse sobreviver e continuar a trabalhar. Nas universidades não foram entretanto criados quadros de investigação, mas apenas, em alguns casos, promovida a contratação de um número reduzido de investigadores como professores auxiliares convidados, prolongando-se a incerteza agora nas atividades de ensino e pervertendo-se o estatuto de convidado tal como previsto na estatuto da carreira docente.

3 O atual governo fez uma nova aposta na resolução do problema da precariedade do emprego científico, impondo como regra a figura do contrato de trabalho na investigação, a termo ou na carreira, consoante os casos. A contratação de doutorados passará a ser um critério de avaliação e de financiamento das unidades de investigação e, na transição, obriga-se as instituições à abertura de concursos e à celebração de contratos de trabalho com os bolseiros de pós-doutoramento que se eternizavam em funções permanentes nos centros e nas universidades.

A generalização de contratos de trabalho é positiva e pode resolver parte dos problemas. Porém, não resolverá o da integração dos investigadores se não contar com o compromisso público das universidades. Podem os governos e a FCT continuar a política de substituição das bolsas de pós-doutoramento por contratos de trabalho, mas se as universidades não assumirem neste processo as suas responsabilidades, se não assumirem um compromisso público de renovação e ampliação dos seus quadros de docência e investigação, de nada servirão as recentes alterações legislativas.

Uma das especificidades da precariedade no emprego científico reside justamente neste facto. Em todos os outros setores do Estado, das escolas aos hospitais e mesmo à administração pública, as organizações com trabalhadores em situação de precariedade pretendem, em regra, integrá-los. Pelo contrário, em muitas universidades que beneficiam do trabalho dos investigadores-bolseiros reage-se como se a proposta fosse uma afronta à sua autonomia. O principal argumento das universidades é que não têm condições financeiras. Importava que isso mesmo fosse demonstrado e que se quantificassem as reais necessidades orçamentais das universidades para participarem na resolução do problema da precariedade no emprego científico, incluindo neste exercício a substituição de gerações.

4 O problema do emprego científico é hoje, acima de tudo, o da integração nas universidades. Os investigadores têm plena consciência de que, apesar da precariedade e da incerteza da sua situação laboral, é deles que depende grande parte da atividade de investigação que se faz em Portugal. Apesar da sua precariedade, não graças a ela. A crítica ao emprego público na investigação, com um mínimo da estabilidade, e, em alternativa, o elogio da precariedade e da superioridade do privado são, neste como noutros casos, a expressão de uma vontade de domínio sem restrições no mundo das relações de trabalho, pelos que hoje nele ocupam, ou aspiram a ocupar, uma posição protegida ou de comando.

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