Trump "no entiende"

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Tive um professor americano que dizia meio a sério meio a brincar que havia não um mas três Estados Unidos: Nova Iorque, a Califórnia e o resto. Ora, sobre Nova Iorque sabe-se tudo graças a Woody Allen e o resto é demasiado complicado para estas linhas. Fiquemos pela Califórnia, o mais populoso estado e também o que vale mais grandes eleitores, os tais do concílio que decidirá o presidente. Votará de certeza em Hillary Clinton, como votou em todos os democratas desde 1992. É uma tendência que ameaça eternizar-se à medida que o Partido Republicano se acantona à direita, assustando as elites liberais, e alinha no discurso anti-mexicano de Donald Trump.


Mais de um terço do eleitorado californiano é hispânico (sobretudo de origem mexicana mas não só), quase um quarto é a soma das outras minorias, dos negros aos asiáticos. Adivinha--se que um dia o resto da América será assim, basta cruzar os dados da natalidade com os da imigração. E por isso os republicanos, apesar de se terem habituado a dar a Califórnia por perdida nas suas contas presidenciais, deveriam preocupar-se muito a sério com o futuro. Por este caminho arriscam-se a ficar arredados do poder por muitos anos. Não aprenderam nada com Barry Goldwater, cujo discurso antidireitos cívicos afastou os negros do partido que foi o de Abraham Lincoln.


A Califórnia não é só importante por ter 40 milhões de habitantes. É uma exportadora do Sonho Americano, desde os filmes de Hollywood às invenções de Silicon Valley. Contribui com um sétimo do PIB dos Estados Unidos. E se fosse independente seria a sexta economia mundial, à frente da França. Não há porém risco de tal, apesar da efémera República da Califórnia, que durou umas semanas até os Estados Unidos conquistarem o território ao México e em 1850 o aceitarem como um estado.


Os dois últimos republicanos a ganharem dois mandatos presidenciais percebiam o valor do voto hispânico. Ronald Reagan, que foi governador da Califórnia, costumava dizer que os hispânicos eram republicanos só que ainda não o sabiam. Afinal, valorizam a estabilidade e são apegados aos chamados valores da família. E George Bush filho, que vive no Texas e tem uma cunhada nascida no México, conseguiu com o "conservadorismo com compaixão" atrair 44% do voto hispânico em 2004. Depois, foi sempre a piorar o resultado dos republicanos, mesmo que John McCain e Mitt Romney nem sequer tivessem nada contra quem fala espanhol. Imaginemos então como será na hora de votar em Trump, que começou por chamar traficantes aos mexicanos e acusou há dias de parcialidade um juiz por ter antepassados a sul do Rio Grande.


Os hispânicos são 55 milhões e a maior das minorias. Cada vez mais sentem ter uma palavra a dizer na definição do que devem ser os Estados Unidos, já que são muito antigos lá. Basta lembrar que a Califórnia foi descoberta no século XVI pelo português João Cabrilho ao serviço de Carlos V e que São Francisco foi fundada por espanhóis em 1776, o mesmo ano da Declaração de Independência das 13 colónias contra a coroa britânica.


Em termos eleitorais, o peso dos hispânicos aumentou 17% desde as presidenciais de 2012. Mas por enquanto não são decisivos por causa do sistema eleitoral. Nos dois estados onde mais contam, o fosso entre democratas e republicanos é tal que o voto hispânico só confirma o favoritismo dos primeiros na Califórnia e não chega para evitar o dos segundos no Texas. Mas se a Florida for o fiel da balança, então sim o voto hispânico (mexicanos, cubanos, porto-riquenhos, etc) decidirá já a 8 de novembro quem sucederá a Barack Obama. E Trump "no entiende".

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