Roleta-russa em Espanha
Era "Roleta-russa" o título do editorial de ontem do El País, numa edição que publicava uma sondagem a mostrar que se os espanhóis voltarem às urnas os resultados pouco diferentes serão dos de 20 de dezembro. Ou seja, o PP voltaria a ganhar mas longe da maioria absoluta, o PSOE seria segundo e a mudança traduzir-se-ia pela troca de posições entre o Ciudadanos e o Podemos, com este a ser punido pela recusa em viabilizar um governo de centro-esquerda mesmo que via abstenção.
Ora, voltar às urnas é devolver a palavra aos eleitores, e tal não deveria trazer problemas de maior. Mas o que a sondagem mostra é que uma segunda campanha em menos de um ano que culminasse numa repetição dos resultados da votação original poria ainda mais a nu o grande problema da Espanha: a falta de coragem de se fazer política. Sim, porque quando há maioria absoluta governar resume-se a cumprir um mandato, contar com a lealdade dos parlamentares e ter bom senso para não humilhar a oposição. Mas quando para uma solução governativa se exige diálogo, disponibilidade para compromissos e, sobretudo, pôr o interesse geral acima do particular, então ficam expostos os políticos egoístas, presos nas suas certezas.
O El País fala de roleta-russa porque numa eventual campanha pode haver a tentação de extremar posições. E nisso o PP, do primeiro-ministro conservador Mariano Rajoy, teria vantagem, mesmo que não tão clara como Pablo Iglesias, o chefe do Podemos, que não esconde que a sua missão é fazer a vida difícil ao PSOE e tirar-lhe o lugar de principal força de esquerda. Só assim, e por receio de perder apoios na Catalunha e no País Basco (desistindo do direito à autodeterminação, como exige o PSOE), se entende a negativa do Podemos a viabilizar o governo de Pedro Sánchez com o Ciudadanos de Albert Rivera.
Num primeiro momento, a solução parecia ser a de uma grande coligação entre o PP e o PSOE, inédita em Espanha, mas já experimentada em Portugal e muito atual na Alemanha. Talvez para isso Rajoy e Sánchez tivessem de sair de cena, o que não só não aconteceu como o desprezo recíproco, continuando o que se havia visto na campanha, impossibilita a experiência. Pondo de parte também uma aliança 100% à esquerda, com PSOE, Podemos e meia dúzia de outras forças, a disponibilidade do Ciudadanos em coligar-se com Sánchez poderia ter sido a solução possível, com a vantagem de Rivera ser de direita e da Catalunha e com essa dupla condição ajudar a uma unidade de que a Espanha tanto necessita hoje. Iglesias pode sentir-se dono de cinco milhões de votos mas não do destino de Espanha. E pôr um país a jogar à roleta-russa é péssima ideia. O tiro é imprevisível.