O peixe no Japão é sacana
Visitei o maior mercado de peixe do mundo, o Tsukiji, a meio da manhã, quando já as pedras começavam a ser limpas. Mesmo assim vi de tudo, desde caranguejos de pernas gigantes a linguados, passando por polvos. Encontrei também uma caixa cheia de fugu, uma espécie de peixe-balão tão famoso como iguaria como por ser potencialmente venenoso. Ao lado, estava um peixe amanhado, branco, sem grande atrativo, que descobri ser o mesmo fugu, agora sem o fígado que faz dele uma roleta-russa.
O antecessor longínquo do Tsukiji é o mercado que o primeiro xógum da família Tokugawa criou no século XVII para o seu castelo ser abastecido de peixe fresco. Tóquio chamava-se então Edo e o imperador vivia em Quioto, sem qualquer poder. Foi o derrube do último xógum, há 150 anos, que devolveu à família imperial o protagonismo, movendo-se para a rebatizada Tóquio (capital do Leste) e instalando-se no antigo castelo, que hoje é um palácio.
Presumo que o imperador Akihito, cuja dinastia reivindica 2600 anos, é tão fã de peixe como os súbditos e, como apaixonado por biologia marinha, terá o Tsukiji em alta conta. A mim, que gosto de visitar mercados de peixe, confesso que fiquei bem impressionado e garanto que isso é dizer muito, pois sou de Setúbal, onde o Mercado do Livramento é reputado pela variedade desde o século XIX. Mas ficou para a próxima visita uma ida ao leilão de atuns que se faz todas as madrugadas. Neste ano, um de 212 quilos foi vendido por 74 milhões de ienes, 680 mil euros à cotação atual. Mas o recorde é de 2013, quando um atum de 222 quilos foi arrematado por 155 milhões de ienes, 1,4 milhões de euros, por uma cadeia de restaurantes de sushi.
São doidos por bom peixe os japoneses, não é mito (chamam-lhe sacana, que é de onde vem a nossa palavra para gente fresca). As estatísticas costumam considerá-los os maiores consumidores do mundo, só atrás de pequenos países como as Maldivas. Os portugueses andam no grupo da frente, razão por que muitos japoneses, quando nos visitam, regressam com boa memória da nossa gastronomia.
O peixe na grelha português sabe-lhes bem, como me disse o chef de um restaurante em Toranomon, que há uns anos percorreu a nossa costa. Foi capaz de enumerar várias terras, como a Nazaré. E tinha como única decoração do pequeno restaurante um galo de Barcelos de uns cinco centímetros, que me mostrou com orgulho. Abro uma exceção e ilustro por isso esta crónica com a foto, com o alerta de que o senhor Sugimoto me contou ter um galo de Barcelos em tamanho grande em casa, que, aliás, ficava logo por cima do restaurante. Tive de impedi-lo de subir.
E nisto de surpresas luso-japonesas, não resisto a contar que entrevistei uma historiadora em Tóquio que não só é especialista em história das relações entre os dois países (fomos os primeiros europeus a cá chegar, em 1543), como fala português, é casada com um português, tem casa em Setúbal e, adivinhem, até é minha vizinha nas férias. Aposto que conhece o Mercado do Livramento.