O meu filho de 2000 entrou ontem na universidade. Festejei, mas...

Publicado a
Atualizado a

Tenho um filho nascido em 2000 e fui um dos milhares de pais que ontem em Portugal festejaram a entrada dos seus na universidade. Porém, assim que o Daniel me avisou, e sem deixar de lhe dar os parabéns, reforcei a ideia de que isto é apenas o princípio de uma longa caminhada. Que entrar numa universidade ou num politécnico é uma vitória pessoal, sobretudo se for no curso que se pôs como primeira opção, como no caso do dele. Mas que é preciso estudar muito, esforçar-se a sério para aprender e esperar que ao fim dos três anos da licenciatura (ou mais alguns se preferir fazer mestrado) se esteja preparado para aproveitar as oportunidades de emprego. E, pelo que sei, no curso dele a empregabilidade tem sido alta até agora, veremos adiante.

Fui o primeiro da família a tirar uma licenciatura (como muitos que me estão agora a ler, tenho a certeza). E num tempo em que não havia internet para consultar e medir prós e contras de cursos e universidades, e sem os meus pais me poderem dar grandes conselhos a não ser estudar, só me lembro naquele verão de 1989 de hesitar entre Jornalismo, Direito e História e acabar por pôr Comunicação Social no ISCSP (hoje parte da Universidade de Lisboa) como primeira opção. Se tivesse falhado por uma ou duas décimas, hoje provavelmente era um advogado formado em Coimbra, a celebrar a entrada do filho no Ensino Superior. Bem, na realidade nem sequer haveria Daniel, pois a mãe é uma antiga colega iscspiana. Quem disse que a universidade não molda o nosso futuro? Na Junqueira descobri mestres, lá fiz amizades para a vida.

Tentei não exagerar nos conselhos paternos, uma questão de bom senso quando se educa um adolescente. Defensor e produto da escola pública, disse sempre ao Daniel que a regra básica era ter boas notas para poder escolher uma universidade de prestígio inquestionável (acabou por ser a Nova) e um curso que o motivasse. A questão da empregabilidade é importante, mas acredito que quem se esforçar, e for mesmo muito bom aluno, terá sucesso em qualquer área. Uma das razões porque não fui para História foi o ouvir a toda a hora que era um curso que não tinha saídas, o que é falso. Hoje estou prestes a entregar uma tese de doutoramento em História Contemporânea e às vezes penso se não devia ter sido menos calculista - cursos de jornalismo também não garantem nada, como sabem tantos licenciados que sonham com um lugar num jornal, numa rádio ou numa televisão.

Ao ler um artigo aqui no DN, assinado pelo Pedro Sousa Tavares, fiquei a saber que mais de metade dos miúdos e miúdas nascidos no mesmo ano que o Daniel vão este mês matricular-se na universidade como ele. Nunca antes tal acontecera em Portugal. Ora, esta geração nascida em 2000 tem tudo para ser especial e vai dar engenheiros, médicos, advogados, economistas, historiadores, sociólogos, professores e por aí fora de grande qualidade: em teoria são ainda do mesmo século dos pais, mas na realidade são gente já do século XXI, que cresceu num mundo hipercompetitivo, onde as novas tecnologias e a facilidade de viajar abrem oportunidades mas também exigem muito esforço para não se ficar para trás. E isto aplica-se igualmente à metade que faz agora 18 anos e não vai para a universidade: também eles - e o sistema de ensino devia apostar mais e melhor na via profissionalizante - vão ter uma vida em que nada pode ser dado como certo, mas que não tem de ser obrigatoriamente um destino incerto. Os países precisam de eletricistas e não apenas de doutores e engenheiros.

Olhem-se para todas as estatísticas e veja-se com satisfação que Portugal como sociedade dá hoje mais oportunidade do que nunca. Olhe-se para à União Europeia e veja-se como temos uma sorte tremenda de fazer parte de um espaço tão grande de prosperidade, onde se pode estudar ou trabalhar com todas as garantias. Mas, e agora comento muito a sério como pai de um rapaz de 18 anos (e de uma menina de oito), não gosto nada quando oiço falar de estágios intermináveis, de empregos precários, de salários baixos, de casas para comprar ou arrendar a preços incomportáveis, em especial nas grandes cidades como Lisboa, onde muitos vão estudar e têm o direito de se fixar.

Sei que temos, como país e como cidadãos, de nos preocupar com temas fortíssimos na agenda como o aquecimento global, a ameaça terrorista ou a ascensão dos populismos, assim como com a necessidade de crescimento económico. Mas é importante oferecermos a esta malta nova, estudante universitária ou não, um início de vida em que não lhes pareça que os mais velhos, um pouco mais bem instalados na vida, se tornaram um bando de gente egoísta que às vezes até fala do 25 de Abril. Para que os Daniéis todos deste país se orgulhem de ser portugueses, fiquem cá a viver e queiram ter filhos aqui, neste Portugal que agora lhes oferece esta oportunidade de estudar que as gerações anteriores não tiveram.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt