Merkel exige refugiados a falar alemão. Faz bem
AAlemanha quer que os candidatos a asilo aprendam a língua e vai penalizar aqueles que recusem ter aulas. Mas o projeto da chanceler Merkel está já a ser criticado pela Pro Asyl, ONG de defesa dos refugiados sediada em Frankfurt e criada há 30 anos por um pastor protestante. Argumenta a organização que ao fazer ameaças as autoridades reforçam a ideia de que os refugiados não pretendem integrar-se na sociedade, quando, insiste, é o governo que falha na oferta de oportunidades de ensino, formação e emprego.
É uma crítica injusta a Merkel, que tem sido defensora de acolher os refugiados, sobretudo os da guerra na Síria, oferecendo-lhes nova vida. E mesmo criticada pelo seu partido, a chanceler democrata-cristã tem-se mantido fiel a esse ideal, quase um compromisso ético por parte desta política criada por um pai (também) pastor luterano.
Ora, aprender a língua do país de acolhimento é uma vantagem para qualquer imigrante ou refugiado. Evita que fique confinado a um gueto e oferece verdadeiras oportunidades de integração. Do ponto de vista da sociedade que recebe alguém vindo de fora é o mínimo a exigir. Significa não só um compromisso pessoal com o novo país como é a prova de que existe vontade de fazer parte da sociedade que, por razões altruístas ou não, se disponibiliza para receber gente com uma matriz cultural diferente. Basta olhar para a história das nações construídas por imigrantes, como os Estados Unidos ou o Brasil, para se perceber que só assim pode funcionar bem a integração. E o mesmo se pode dizer de países como a França e a Grã-Bretanha.
A própria Alemanha, que a partir da década de 1960 recebeu uma vaga de trabalhadores turcos, tem essa experiência. Só quando falam a língua e se integram de corpo e alma na sociedade os membros dessa comunidade de três milhões de pessoas podem reclamar pertença à nova nação, como é o caso de Cem Ozdemir, que foi líder dos Verdes, ou Mesut Ozil, futebolista campeão do mundo. Claro que isso é mais fácil com a segunda geração, mas tem de ser tentado também para quem chega já adulto.
Considerar abusiva a imposição da aprendizagem da língua alemã, quando a maior parte dos refugiados que tentam entrar na Europa sonha em chegar a Berlim ou Munique, é errado. E qualquer tentação de comparar estas medidas agora pensadas com a lei aprovada na Dinamarca que apreende bens aos refugiados é demagógica. Talvez alguém se lembre da forma como alguns países da UE impõem o domínio da língua oficial para se ser cidadão, como é o caso da Estónia e da Letónia à minoria russófona, mas o criticável nesses casos é que em nome da afirmação da identidade nacional se ponha em causa direitos básicos de gente idosa, já nascida nesses países. Talvez aquilo que a Alemanha esteja a pedir aos refugiados possa ser comparado, no sentido benigno, com a exigência que o Canadá faz aos candidatos à nacionalidade de que provem ser falantes de inglês ou de francês.
A questão das aulas de alemão faz parte de um pacote mais vasto de medidas negociadas pela coligação governamental para afastar as tensões entre Merkel, a ala bávara dos democratas-cristãos liderada por Seehofer, e os sociais-democratas de Gabriel. Com a Alternativa para a Alemanha a obter bons resultados nas eleições regionais com base num discurso antirrefugiados, Merkel teve de agir, venha ou não a ser candidata a um quarto mandato em 2017. Por um lado, o acordo com a Turquia parece estar a estancar a chegada de refugiados. Por outro, este pacto agora com os parceiros deve tranquilizar tanto as bases de Seehofer, que receiam a capacidade de integração de um milhão de pessoas na sua esmagadora maioria muçulmanos, como as bases de Gabriel, que exigem mais benesses do Estado para os alemães.