Triste figura dos britânicos fez do Brexit uma vacina
Dar a voz ao povo. Dito assim, até é de elogiar o referendo de 2016 sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia. Um ato digno da longuíssima tradição democrática do país. Aliás, ainda pouco tempo antes um referendo tinha permitido aos escoceses decidirem se queriam ou não permanecer no próprio Reino Unido, uma possibilidade que poucas democracias permitiriam.
O problema, pois, não foi o referendo. O problema mesmo foi a vitória do Brexit. Nem David Cameron, o primeiro-ministro que o convocou, nem a sua sucessora no Partido Conservador e no governo, Theresa May, fizeram campanha pela rutura com a União Europeia. E na oposição, tanto os trabalhistas como os liberais-democratas sempre foram europeístas convictos, mesmo que os primeiros tenham em Jeremy Corbyn um líder que não o é e os segundospartilhem alguma responsabilidade na convocação do referendo porque na época faziam parte do governo de Cameron. A favor do Brexit mesmo só um bando de figuras conservadoras e Nigel Farage, chefe do UKIP, o partido dos eurocéticos.
E essa vitória do Brexit, indesejada e imprevista para a maioria da classe política, ainda por cima foi por margem escassa e dividindo o país em Grande Londres, Escócia e Irlanda do Norte, que votaram Remain, e o resto do reino, assim fortemente desunido. E por ser indesejado e imprevisto, o referendo teve um seguimento desastroso, não da parte dos outros 27, mas dos próprios britânicos. Depois da humilhação ontem de May no Parlamento, derrotada tanto pela oposição como pelo próprio partido, que acordo com a União Europeia se pode esperar que o Reino Unido tente agora?
Um segundo referendo será a solução? Primeiro que tudo, quem o defende nos partidos? Nem sequer convictamente os trabalhistas. E se esse referendo acontecer, quem garante que não se repetirá uma vitória do Brexit, com os eurocéticos a argumentarem que na União Europeia a voz do povo é sempre ouvida segunda vez quando não agrada às elites a primeira resposta? E mesmo que um novo referendo dê vitória ao Remain isso não oferece certeza nenhuma de que as divisões nos partidos não se vão manter, perpetuando o atual caos, nada benéfico para a Europa, mas sobretudo desgastante e humilhante para o Reino Unido.
E como acabará isto então? Impossível de dizer, mas há uma certeza já: o Brexit tornou-se uma vacina. Quem se atreverá no futuro, estando no poder em algum dos países membros da União Europeia, a levantar seriamente a hipótese de sair depois de ver a triste figura que fazem os britânicos?