A Rússia não pode excluir-se da Europa
Pode a Rússia dar-se ao luxo de recusar ser europeia? Igor Gretskiy garante que não e fala com a autoridade de quem é professor na Escola de Relações Internacionais da Universidade Estatal de São Petersburgo. E quais são os seus argumentos? Primeiro que tudo a história, com o período soviético a ser a exceção num percurso nacional marcado desde sempre pela atração pelo Ocidente. Segundo, e mais importante ainda, a falta de alternativa ao modelo europeu, tanto político como económico. Afinal, escreve o académico russo no primeiro número de 2016 da New Eastern Europe (uma excelente revista editada na Polónia e escrita em inglês), "apesar da atual crise nas relações com o Ocidente, a Rússia e a Europa têm um futuro comum, pois não existe uma verdadeira alternativa à via europeia para o desenvolvimento".
Gretskiy vai ao ponto de recordar que os dois primeiros mandatos presidenciais de Vladimir Putin (2000-2008) foram marcados pela aproximação à Europa. E que as tensões surgidas com o seu regresso à presidência em 2012 (depois do interregno assumido por Dmitri Medvedev, seu delfim) resultam, sobretudo, da incapacidade da Rússia em resolver alguns dos problemas crónicos, o que a levou a procurar alternativas que são antes de mais justificações para o insucesso relativo. Para um poder que quer ser forte, e que sabe que a população acha natural que assim o seja, é mais fácil falar agora da Rússia como uma civilização separada, simples de justificar pela geografia meio europeia e meio asiática. E a tentação da chamada via eurasiana é grande pela facilidade, nota o académico russo, de a fazer aceitar por um povo ainda marcado pela memória da era soviética, quando os russos faziam parte de um mundo à parte, isolado da tradição europeia pela revolução comunista de 1917.
Para provar a força dos laços da Rússia à Europa, Gretskiy evoca o contributo das tropas czaristas para a derrota de Napoleão. Grande número de oficiais, gente da nobreza russa, regressou então a casa impregnado de novas experiências e ideias a implantar na pátria. Mas já com Pedro, o Grande, não por acaso o fundador de São Petersburgo, a vocação ocidental da Rússia era evidente, com o imenso país a perceber que o futuro passava mais por seguir a Europa do que procurar modelos a oriente (apesar da expansão impressionante pelo Norte da Ásia nos séculos XVIII e XIX).
Diga-se que o resto da Europa também não ficou nunca indiferente à força da cultura russa. Pense-se nos grandes romancistas, pense-se nos grandes compositores. Tolstoi e Tchaikovski são vultos incontestados da civilização europeia, como o são Pasternak e Prokofiev, dois nomes que evidenciam que mesmo o comunismo não significou um voltar de costas total.
Indo já muito além do que argumenta o professor de São Petersburgo, ainda com Putin ou já depois dele, a Rússia voltará a aproximar-se da Europa. Não deixará de mostrar vontade de grande potência, com os custos que isso teve para a Ucrânia como para a própria Rússia, mas procurará a acomodação máxima. Mais do que as dificuldades económicas, sejam pela queda do preço do petróleo seja pelas sanções em reação à anexação da Crimeia, será a realidade geopolítica a convencer quem mandar no Kremlin de onde estão os parceiros mais fiáveis. Como se viu pelo choque atual com a Turquia, o flanco sul da Rússia não é de terra de amigos e é previsível que o flanco oriental também não o seja, basta que num futuro mais ou menos próximo os chineses, mesmo sem ser política oficial, comecem a ignorar as fronteiras siberianas e a ocupar um território cada vez mais vazio de russos.