Esperando por Piet 

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O que é que faz um homem de meia-idade quando tudo corre mal, e ele até quer que corra bem, mas não vai mudar nada para que corra? Apaixona-se. Foi o que me aconteceu com o Piet. Já aqui partilhei a frustração com as plantas da minha varanda, e a coisa não vai para melhor. As pragas continuam a alastrar como se o pesticida fosse Nestum e outra eugénia já está meia morta. Plantas é daquelas coisas que o meu gosto e cuidado andam na inversa do jeito e da sabedoria. Falta tempo para perceber, tempo para fazer, e como em qualquer relação longa, tempo para falarmos. E em abril apareceu o Piet. Ou melhor, eu já o conhecia e já o admirava, só não sabia que era ele.

Foi em Nova Iorque, num sábado, fim de tarde, estava a sair da High Line (uma linha férrea elevada, no lado oeste de Manhattan, convertida em parque urbano), já não chovia, estava abafado, e enquanto caminhava tinha desejado plantas e coisas assim em Lisboa, para poder estar mais vezes rodeado de tudo aquilo, mas não tinha um nome, uma categoria por onde começar a procurar. Ia a sair, mas sem saber porquê voltei para trás para ver uma banca de livros (o momento sobrenatural). Piet Oudolf era o nome do autor e do tema dos livros. Piet Oudolf era, afinal, o paisagista, o mago discreto dos jardins suspensos sobre carris. O nome, brusco e depois redondo, lento e longo (em Drummond de Andrade há uma língua lambilonga, lambilenta), a grafia perfeita para uma coisa que só ali tinha visto, um jardim como campo. Ele não sabe isto, como não sabe de nada, mas em 2010 eu tinha vivido ali na décima avenida com a vinte e dois (com a M. e o T., e fomos muito felizes), e a janela dava para a High Line que estava a ser prolongada e parava então mesmo ali. E podemos até ter-nos cruzado, ele a ver a sua obra, eu a tentar terminar a minha (o momento serendipity).

Depois de saber que o Piet existia, e de perceber que era o rei do paisagismo, comecei a desejá-lo na minha vida, em concreto na minha varanda (o momento obsessivo). Quanto custaria? Só havia uma maneira de saber - perguntar. Apesar do parecer altamente negativo e crítico dos órgãos superiores de controlo e supervisão (mulher e mãe), tinha mesmo de perguntar. E aqui, e talvez por aquilo, as coisas começaram a correr mal (o momento obstáculo). Piet Oudolf tem uma empresa, tem um site, mas não há um e-mail nem formulário. Estranho. Mas quando se está apaixonado, o óbvio vem escrito em morse. Procurei, nada. Havia um telefone. Pressenti a rejeição, pedi para ligarem por mim a pedir o e-mail. No e-mail ia expor as minhas razões, convencê-lo de que nada é demasiado pequeno, o instinto tão típico da paixão de reagir à rejeição com argumentação. Ligaram, não dão e-mails. Ainda perguntaram se era para um consórcio internacional. Não dão e-mails. Falaram mal.

E se ele soubesse que é nele que repousa a única réstia de esperança para o resto das plantas que restam? Entretanto, conheci o Robin, que não melhorou as coisas - em vez de esquecer, confirmou-me no desejo. Já o conhecia, na verdade, como ao Piet, mas nunca o tinha lido. Agora leio, sem falhar, todas as terças, ou quando lhe apetece, no Financial Times. Uma coluna de jardinagem que é poesia. Nomes que não se percebem, teorias, problemas e dilemas que nem o enunciar entendo. De longe a coluna do FT que menos consigo captar. Robin Lane Fox é professor de História em Oxford, escreve maravilhosamente, profundamente, é irónico e rigoroso (o que importa que eu não perceba o que quer dizer "Crocuses have to include the exquisite duo, Cream Beauty and Blue Pearl, perhaps my favourite flowers. For planting in beds, look out for the excellent lilac-coloured Crocus vernus Vanguard, a robust variety of great charm which will seed and spread"). Robin Fox, desde que o leio, anda às voltas com o tema das borders do jardim, até foi ao Norte de Inglaterra ver um jardim privado desenhado por Oudolf (encontro mil justificações para ter feito este e a mim nem o e-mail me dar, mas nenhuma me convence).

Robin é maldisposto, Piet é enigmático. Piet não me responde, Robin já avisou que em breve se vai atirar a uma nova vaga de livros de divulgação científica sobre árvores, um deles uma maravilha que ando a ler, The Hidden Life of Trees, de Peter Wohlleben, sobre como as árvores comunicam e sentem. Vamos aguardar pelo que escrever, mas entretanto é bom ir aprendendo mais sobre os choupos e os carvalhos, e como falam entre si e entre eles. E será que a relva sente?

Há dias tudo se atirou à Madonna por causa de um vídeo em que os filhos corriam na relva e se via um letreiro para não pisar a relva no Palácio de Seteais. Não sei o que pensa o Piet nem o Robin sobre isto (presumo que ambos não gostem nem de relva nem da Madonna). Mas com estes divos nunca se sabe, Robin Lane Fox foi o consultor de Oliver Stone no filme Alexander, sobre Alexandre, o Grande, e diz-se que gostava muito da Angelina Jolie. Mas o que exigiu no contrato não foi estar com ela, foi estar entre os quinze primeiros cavaleiros das grandes batalhas, e conseguiu (há um documentário da BBC sobre a participação de Fox no filme, chama-se Charging for Alexander). E enquanto as eugénias agonizam na varanda, eu vou lendo o Robin e esperando por Piet. Mas se alguém o conhecer, dê-lhe uma palavrinha por favor, elas já não duram muito.

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