Climinha na varanda

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Mesmo antes de se fazerem sentir os efeitos da decisão de Trump de sair de Paris, já a minha varanda sofre de uma pestilência indestrutível que só pode dever-se ao aquecimento global. Ou então à invasão dos turistas. Ou à minha falta de jeito com plantas. O problema é sobretudo com as eugénias, que eram três e já são só duas, atacadas por umas bolinhas assassinas e uma gosma letal, primeiro de mansinho, depois ao longo dos ramos coladinhas, a impedir novos rebentos. Uma autêntica selva, que nem a osga de estimação (há um debate cá em casa se é osga, se é lagartixa) consegue dar conta do recado, parecendo preferir os raros mosquitos de verão às belas cápsulas da peste. O animal proibido sabe sempre melhor, eu sei, mas podias ajudar.

A primeira estratégia foi rebentar as cápsulas com os dedos, mas não resultou, o poder da vida sempre mais forte do que a força da morte. Depois foi altura de pedir ajuda aos amigos, e aí uma descoberta: varandas é como costas, toda a gente tem o seu amigo secreto. No caso das costas é sempre um osteopata ou um fisioterapeuta milagreiro, não vás aos médicos que isso não é para médicos, no caso das varandas é mais um remédio secreto, borrifa com sabão azul, lava com limão, ou então não há nada a fazer.

Não há nada a fazer foi também o ar que fez o senhor da loja do Cais do Sodré quando sentenciou, baixinho, bicha-cadela como quem diz pâncreas, e já antes tinha sido o ar do jardineiro encomendado via Zaask que tentou tratar a coisa. A ida à loja do Cais do Sodré que vende sementes e pesticidas, e que vale uma visita mesmo sem bicha-cadela na janela antes que desapareça, tinha sido a consequência da decisão de tomar o assunto nas minhas próprias mãos, um covfefe doméstico. Os resultados estão à vista: primeiro não é nada bicha--cadela como o senhor da loja disse, é cochonilha-de-carapaça, e a cochonilha-de-carapaça, como o nome indica, é dura de roer, isto descobri eu sozinho. Mas saber muito não mata bicho, que desde que me isolei neste combate ao aquecimento global já me matou uma das eugénias. E as outras duas por mais que eu as pulverize (de três em três semanas segundo o senhor do Cais do Sodré, ou três semanas seguidas e uma de pausa, segundo a senhora do Horto do Campo Grande) nada feito que a cochonilha não larga o pedaço. Se as sessões de pulverização têm cada vez menos abatido o bicho, cada vez mais batem ao homem pois não há sessão de pulverização que não acabe com a irritação nas mucosas e uma ligeira sensação de cabeça leve (lembro-me de na minha escola haver a moda de snifar tira-nódoas, mas não pesticida). E estou consciente das várias leis violadas: aplicação de pesticida na varanda com borrifador do Pingo Doce em contravenção de normativos ambientais; contratação de jardineiro via plataforma eletrónica, promovendo a precariedade laboral e a economia de biscate, e quem sabe a fuga ao fisco; exposição de crianças a zona pesticidada sem os competentes avisos em modelo oficial publicado em Diário da República - além das leis da CEE, mas a essas já ninguém liga. Ah claro, e tudo isto sem a prévia autorização do condomínio, que agora segundo a lei que o PS quer aprovar vai ser precisa para poder fazer grelhados de peixe, festas de crianças com palhaços, ou sexo com banda sonora (à semana).

Por falar em barulho, resta-me tentar ver se expulso a cochonilha com música numa coisa mais no espírito do Acordo de Paris. Vou tentar usar Guns N" Roses, como o exército americano em 1989 para obrigar Noriega a sair da toca com o Welcome to the Jungle, a modos de justa homenagem na semana em que Noriega morreu e os Ganes ressuscitaram. Não os fui ver, para não estragar a imagem do concerto de 1992, eu com 15 anos, o Axl Rose com o dobro, em que atacámos a banda com garrafas de plástico num statement eco-warrior, interpretado na altura pelo estabelecimento como tendo a ver com os consumos no recinto e a estupidez grupal adolescente. O concerto, a 2 de julho, acontecia um mês depois da Cimeira do Rio e as coisas pareciam bem encaminhadas. A posição dos Estados Unidos de Bush pai era criticada internamente pelo candidato a presidente que estava em último lugar nas sondagens, Bill Clinton, que dizia que era possível conciliar crescimento económico (era a economia, estúpido) e proteção ambiental e que tinha conseguido isso no Arkansas. Ao sair do Acordo de Paris (tem mais piada o inglês pull out, que é o verbo usado para descrever o que se passa no coito interrompido), Trump demonstra mais uma vez o seu modo pato-bravo de fazer política, mas sem ser óbvio que os resultados venham a ser muito diferentes do boicote sofisticado que os americanos vêm a fazer à redução das emissões. Mas mostra outra coisa mais grave, é que a promessa democrata de 1992, de olhar para a economia, ao contrário do que os estúpidos faziam, não se concretizou nem com Obama, que deixou uma larga parte dos americanos sem dinheiro, sem saúde, sem esperança. Com tão pouca esperança, que elegeram alguém que acredita que eles acreditam que é sair de Paris que lhes vai dar mais dinheiro ao final do mês. E esta verdade, que é a mais dura da vitória de Trump, não desaparece, nem com mil covfefes.

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