Pedrógão. É preciso um sms a dizer "não me incomodem, deixa arder"?
Diz o relatório do Instituto de Telecomunicações sobre o incêndio de Pedrógão Grande que: "Existiram faltas graves na rede SIRESP, com cortes prolongados no funcionamento normal do sistema de comunicações nas áreas cobertas pelas estações base de Pedrógão Grande (39h6 ), Figueiró dos Vinhos (41h3), serra da Lousã (67 h), Malhadas (66h4) e Pampilhosa da Serra (70h8)."
E que:
"As falhas mencionadas deveram-se à destruição, pelo incêndio, das ligações por cabo de fibra ótica das estações base referidas ao comutador de Coimbra."
E ainda que:
"Durante o período de corte das ligações e mesmo depois de estas terem sido restabelecidas, verificou-se que algumas das estações base foram incapazes de cursar o tráfego oferecido sem um número anormalmente elevado."
Concluindo-se portanto que:
"Nem todos os utilizadores têm conhecimento e prática suficiente dos equipamentos da rede SIRESP, em particular para operar com falhas parciais da rede, pelo que se recomenda formação e exercícios periódicos para a sua utilização, em condições de stress."
Já o relatório da GNR acrescentou que:
"Até às 21h44 do dia 17 de junho de 2017 não foi efetuado qualquer corte por patrulhas da Guarda na EN 236-1, em particular junto ao nó do IC8, no sentido de Castanheira de Pera, por nunca ter sido comunicada à Guarda qualquer decisão operacional ou informação de risco naquela estrada nacional, factos que foram confirmados pelos sucessivos comandantes das operações de socorro em funções."
E que:
"O major Santos, juntamente com o cabo Martins, foi reavaliar a situação do incêndio e, ao passar no local onde estava instalado o Posto de Comando, cerca das 19h20, verificou que o mesmo já lá não se encontrava, pelo que solicitou à SSit Leiria que questionasse o CDOS de Leiria sobre a sua nova colocação [ou seja, a ANPC mudou o Posto de Comando de sítio sem avisar a GNR]."
Além do mais:
"O major Santos, quando se encontrava no novo PC [Posto de Comando], teve necessidade de comunicar com as patrulhas, para as reposicionar, em virtude de o incêndio ter aumentado de dimensão. Mas não conseguiu comunicar porque os rádios apenas funcionavam de forma intermitente, possivelmente por sobrecarga da rede. Pôde constatar, no PC, que o mesmo se estava a passar com os comandantes de bombeiros."
Ainda segundo o major Santos:
"Os períodos entre as 19h34 e as 21h12 e entre as 22h30 e as 02h00 [janelas de tempo em que ocorreram as mortes] foram aqueles em que se registaram mais dificuldades nas comunicações por rádio e por telemóvel, sendo que a partir das 19h00 as dificuldades de comunicações foram contínuas até ao dia seguinte. A recuperação dos dois sistemas de comunicações só ocorreu ao fim da tarde de domingo."
E agora pergunto: se isto não é responsabilidade do Estado, então o que é responsabilidade do Estado? Se o SIRESP - que é Estado - falhou clamorosamente (ainda por cima na altura em que as mortes ocorreram) e se a Autoridade Nacional de Proteção Civil deu mostras de profunda desorientação (atestadas no relatório da GNR), o que é que falta para concluir que houve responsabilidade do Estado?
É preciso dar como comprovado que houve titulares de cargos públicos a atear o fogo e a matar pessoalmente as 64 vítimas do fogo? É preciso encontrar um sms de um qualquer comandante de bombeiros a dizer "estou a jantar, não me incomodem, deixa arder"? É preciso o MP desencantar nas cinzas dos eucaliptos suspeitos de homicídio por negligência? É preciso a comissão independente concluir o seu inquérito? Estão à espera de que o Parlamento aprove uma lei, lá mais para não se sabe quando, e depois (e só depois, como pretende o PS) de ouvir não sei quantas entidades? Custa muito alguma grandeza? Paguem lá as indemnizações, sff.