Costa e o fantasma de Sócrates
Se calcularmos 1 ponto percentual do PIB a 1800 milhões de euros, não é muito difícil fazer as contas: durante a governação Passos/Portas o défice público diminuiu 12,24 mil milhões de euros. Ou seja, passou de 11,2% do PIB (final de 2010) para 4,4% (final de 2015), que seria de 3,2% se não fosse o Banif. Uma diminuição de 6,8 pontos percentuais.
Não fossem esses 6,8 pontos percentuais - que, insisto, partiram de um astronómico défice de 11,2% do PIB deixado por Sócrates no seu último ano completo de governação (2010) - e nunca ontem António Costa poderia ter recebido da Comissão Europeia a notícia de que vai recomendar ao Ecofin o fim do procedimento por défice excessivo de Portugal .
Soa assim estranho que o primeiro-ministro tenha escolhido não saudar o anterior governo pelo resultado alcançado - pois que esse é um facto para lá de qualquer interpretação. Francamente, é mesmo inesperado, pelo que conhecemos da inteligência tática de António Costa e da sua capacidade de não se deixar atropelar por emoções. Não se trata de magnanimidade; trata-se de pura justiça. Justiça aliás do que o próprio Passos foi ontem capaz: "Trata-se de um resultado pelo qual todos devemos cumprimentar o governo do país, que assegurou, na condução da política financeira do Estado, as condições que nos qualificam para esta recomendação da Comissão Europeia."
Diria até que Costa recusar partilhar louros com Passos é pelo menos tão desconchavado como Passos passar a vida a dizer que os atuais resultados dos números da economia e do desemprego não são "culpa" das políticas do atual governo mas sim do que o seu governo fez entre 2011 e 2015.
A incapacidade do primeiro-ministro em saudar o seu antecessor revela bem até que ponto o PS de hoje ainda continua a não saber lidar com o que foram os anos finais da governação de José Sócrates. Se Costa ontem tivesse assumido que o resultado era também de Passos, estaria implicitamente a assumir estar bem consciente da situação orçamental de pesadelo que o líder do PSD recebeu quando assumiu as rédeas da governação, em meados de 2011.
É por isso, em nome do que já sabemos do que pode ser um governo do PS em estado de euforia, que tudo aconselha prudência. Ninguém põe em causa os sucessos do atual executivo, no défice, no emprego, na economia. Mas há ali uns numerozinhos que continuam a manter-se insistentemente altos - os da dívida pública. Foi por aí que a porca torceu o rabo, em 2011. Oxalá não se repita.