Nem só os futebolistas vão ao Maracanã
Quando Stefan Zweig fugiu da Europa em guerra exilou-se no Brasil. Gostou daquilo e, como era um fenómeno de popularidade mundial enquanto escritor, esse rasto de sucesso fez que a sua estada fosse bem melhor do que a vida dos seus conterrâneos perseguidos pela loucura de Hitler, nada que o fizesse esquecer a tristeza e em 1942 se suicidasse, num pacto final com a mulher. Dessa estada em Petrópolis e de duas anteriores visitas ao país ficou-lhe a vontade de escrever sobre a ex-colónia portuguesa e imprimiu as suas opiniões num ensaio intitulado Brasil, País do Futuro.
Enquanto vivi no Brasil, esse título passou-me à frente dos olhos várias vezes, mesmo não sendo um fã de Zweig. Era, aliás, o que observava em redor e que me fazia pensar que o Brasil era mesmo um país do futuro, até porque nessa época ruía a ditadura militar, os generais e as suas tropas regressavam às casernas e renascia uma esperança - ninguém imaginaria ser possível Bolsonaro! O que via? Aquilo que todos os europeus acham espetacular: uma natureza esplendorosa que, como Pero Vaz de Caminha logo se apercebera, "em se plantando tudo dá". Daí, um estudante de História não perceber a razão do atraso do país e ser-lhe impossível ter um grande futuro pela frente.
Para entrar na universidade, era obrigatório fazer um exame, o chamado vestibular. Depois de inscrito, lá fui prestar provas para entrar para o curso e chamou-me a atenção o local: o Maracanã. Sim, eram vários milhares de candidatos e o único lugar onde se podia distribuir os alunos sem possibilidade de copiar uns dos outros era o estádio. Distribuídos pelos milhares de lugares e de posse da prova, foi anunciado pelos altifalantes que podíamos abrir o envelope com o teste e lutar por um lugar universitário. Foi o que fiz e, durante longos minutos, nunca me distraí, até que o sistema de rega do relvado começou a trabalhar e, entre um silêncio total, via a água salpicar o piso verde onde os grandes desafios aconteciam. Não era a imagem de um jogo que me ocupava o pensamento, antes o ruído de dezenas de repuxos a espalhar água como se estivesse a ser tocada uma sinfonia impossível. Zweig tinha razão, aquele era um país com futuro.