Violência sobre mulheres portuguesas desde 1970 por Maria Antónia Palla
É sintomático que um livro reeditado várias décadas depois ainda tenha atualidade, principalmente que o “tema” esteja na ordem do dia: a violência sobre as mulheres. O título é muito certo, Só Acontece aos Outros, e o subtítulo leva o leitor logo ao cerne do assunto: Histórias de Violência. O pior, repita-se, é a sua contemporaneidade, pois se fosse lançado pela primeira vez em 2017 ninguém estranharia que este conjunto de investigações/reporta- gens de Maria Antónia Palla chegasse às livrarias.
É certo que logo a primeira “história”, “Não há lobos no monte”, choca com a desertificação do interior que hoje vivemos, mas não seria impossível de acontecer e há casos de violência já reportados neste terceiro milénio que se lhe podem comparar. Trata-se da notícia sobre uma “criança devorada pelos lobos em circunstâncias por esclarecer”, diz-se na introdução. Depois, surge um aviso da jornalista: “Que em 1970, quando o homem pisou já outro planeta, tal possa ocorrer à nossa beira não pode deixar de nos espantar.” O local do crime, teima uma vizinha que não acredita que os animais se aproximem tanto das povoações, é Freiriz (perto de Braga) e fica no ar uma suspeita: “Há lobos bem piores do que os que descem das serras...”
O mais estranho neste conjunto de reportagens, designadamente na que se escolhe para desvendar alguma coisa, é que mantêm-se traços muito semelhantes no comportamento da sociedade portuguesa em relação às vítimas. Outra situação, bem diferente, é a ausência de solidariedade social, como a que se vê nas justificações para quase ninguém ajudar nas buscas após o desaparecimento da menina na serra: “Não fosse estarmos zangados com a mãe, tínhamos ajudado”, “Se a mãe nos tivesse pedido” ou “Podíamos lá imaginar o que se tinha passado!” Esta reportagem não tem fim feliz, como muitas das restantes, e fica-se à espera que as autoridades deem respostas. Afinal, há circunstâncias anómalas: uma garrafa de cerveja junto ao local onde a menina foi encontrada, o facto de a jovem não gostar de ir para aquele lugar. No relato, o subdelegado de saúde refere o hábito de violações frequentes por aquelas bandas e não fosse o padre reparar na ausência de uma voz que lhe fazia falta no coro só ficava a preocupação da mãe: “O diabo da rapariga não me aparece.”
Após esta “história”, o leitor está conquistado para a leitura do segundo livro que a nova editora, Sibila Publicações, edita. Os temas das outras reportagens têm sempre uma unidade, o de dizer respeito à violência sobre as mulheres e resulta de reportagens que a autora escreveu durante nove anos a partir de 1970. Nesta edição, surgem duas novas, uma de 1983 e outra deste ano. Todas elas são fruto do que observou durante a sua vida enquanto jornalista e resultam de notícias que lia e a interessavam pela estranheza com que aconteciam ou eram encaradas socialmente.
O mais estranho neste livro é o estilo em que é escrito. Um registo descritivo em que se tenta evitar a emoção fácil, a não ser para vincar suspeitas ou razões que se tentavam fazer passar despercebidas. Poderia pensar-se que são contos - há algo telúrico em alguns que faz lembrar Miguel Torga -, de tão bem relatados, mas não deixa de ser uma das grandes reflexões sobre a violência à portuguesa.
Para esta reedição, os capítulos não foram reformulados, nem deixam de ter “atualidade”, diz a autora na introdução, daí que os volte a dar ao público como “instrumento útil de reflexão”.
Só Acontece aos Outros
Maria Antónia Palla
Sibila Publicações
240 páginas
PVP: 15,90 euros
Ler o 25 de Novembro por Ribeiro Cardoso
Após perfazer-se mais um aniversário sobre o golpe que acabou com a deriva de extrema-esquerda após a Revolução de Abril, principalmente no Verão Quente, vale a pena ler as novas investigações que estão a ser publicadas. É o caso de O 25 de Novembro e os Media Estatizados - Uma História por Contar, de autoria de Ribeiro Cardoso. Em resumo, o texto da contracapa explica o que se passou segundo o autor: “Ao cair do pano daquele dia, na execução de uma estratégia muito antes gizada por setores político-militares, 152 trabalhadores da comunicação social foram afastados impiedosa e ilegalmente dos seus postos de trabalho”. A investigação deste caso recorre à memória sobre as consequências desse ato, faz um levantamento de 60 processos em tribunal, das histórias de vida dos que foram despedidos, analisa a correlação política em fundo e não esquece os casos do jornal República e da Rádio Renascença.
O 25 de Novembro de 1975 e os Media Estatizados
Ribeiro Cardoso
Editorial Caminho
432 págs. PVP: 19 euros
As crónicas da pastelaria de Nuno Costa Santos
O livro começa com “isto dava uma crónica”. Uma expressão que até pode ser “isto dava um conto” ou “isto dava um filme”, mas ninguém transforma o nada em algo. Daí que Nuno Costa Santos explique que escreve em pastelarias e que esse local é dos melhores para confecionar estes textos. Um género jornalístico que não é para qualquer um e que muitos jornais evitam por quem assina (ou quer assinar) não estar à altura. Diga-se que há quem nasça para isto, mas são poucos, daí que estas crónicas devam ser lidas com atenção. Só assim o leitor se pode questionar com a Ler em andamento (p. 23), surpreender com Críquete em Lisboa (p. 43)... Um amplo conjunto de casos cronicados de uma forma que agradam ao leitor e fotografam os tempos que vivemos.
A mais Absurda das Religiões
Nuno Costa Santos
Editora Escritório
208 páginas
PVP: 13,90 euros