O romance que se tornou incontornável: Um Gentleman em Moscovo
O romance começa com uma introdução que explica ao leitor ao que vai: o regresso de um aristocrata contestatário do regime que o czar impunha na Rússia através de um poema que escrevera em 1905 e incitava intelectualmente ao levantamento político. Passados uns anos e um exílio, o conde Aleksandr Ilitch Rostov regressa à Rússia pós-Revolução 1917 e hospeda-se no Hotel Metropol, de onde vislumbra as alterações políticas que o novo regime impõe. Fá-lo durante quatro anos, momento em que é chamado às autoridades para responder a um interrogatório sobre a estranheza da sua nova vida russa. O facto de ter bons padrinhos impede que lhe aconteça algo pior do que perder o direito a um quarto de enormes dimensões e passar a ficar hospedado num esconso. Deixa de poder passear pelos seus aposentos, de admirar os painéis decorativos e os lustres de grande beleza, mas tem outra vantagem, a pequenez do lugar em que os bolcheviques o depositaram permite-lhe ouvir os próprios pensamentos. Longe da louça de Limoges herdada da avó, bem como de todos os seus livros, resta-lhe um entre os muitos que possuíra. Finalmente, iria ter tempo para uma leitura sempre adiada, a de os Ensaios, de Michel de Montaigne. Logo que inicia o contacto com o volume descobre que melhor não há do que estes 107 ensaios sobre os temas Constância, Moderação, Solidão e Sono, e considera que Montaigne os escrevera "tendo em mente as noites de inverno". A partir desse momento, a observação interior do mundo vai mudar para o conde e, num impulso, enquanto sentado na cadeira do barbeiro, decide romper com as regras que pautam a conduta de um aristocrata e ordena que lhe rapem o cabelo todo. Tal como vai conviver com crianças, fazer novos amigos, usar um martelo, fazer truques de cartas e, entre muitas outras mudanças da sociedade, deixar de ser tratado por excelência.
O que tem este romance de quinhentas e tantas páginas que o façam merecedor de atenção entre os milhares que são publicados todos os anos em Portugal? Comecemos pelo título: Um Gentleman em Moscovo. O autor? Amor Towles... O que disse a crítica norte-americana sobre ele? De início nada porque o volume foi publicado sem qualquer empurrão de marketing editorial em 2016. Estranhamente, um ano depois foi considerado um dos mais surpreendentes best-sellers pois por si próprio vendeu mais de 800 mil exemplares e tornou-se um sucesso inesperado que, então sim, gerou textos de análise por parte de quem nos EUA se preocupa com a Literatura. Foi o caso do artigo publicado na Slate Book que tinha por título O que aconteceu [na literatura] em 2017? e dava como resposta o romance Um Gentleman em Moscovo. Entretanto, já foi traduzido em 28 países, da Albânia a Taiwan, enquanto a imprensa lhe ia dando mais atenção: "Uma hábil síntese moderna da história da Rússia", disse a Kirkus; "Escrita elegante, personagens deliciosas e uma forma engenhosa de contar histórias", referiu o Mail on Sunday.
Pode dizer-se que Amor Towles não é o escritor tipo, afinal trabalhou durante duas décadas como investidor - mesmo que tenha tirado um mestrado em Inglês na Universidade de Stanford - e só recentemente se dedicou a tempo inteiro à escrita. É certo que em 2011 publicara um primeiro romance, com críticas muito boas. Agora, com edição portuguesa a sair na próxima terça, e com uma ótima tradução de Tânia Ganho, é hora de o descobrir.
Um Gentleman em Moscovo
Amor Towles
Editora D. Quixote
543 páginas
PVP: 24,90 euros