Depois de Equador...

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Pela certa, é o verão do ano de 2003 ainda o mais interessante a nível literário. Aquele em que foi publicado o megassucesso Equador, de Miguel Sousa Tavares, o romance que foi na bagagem de metade dos veraneantes que se viam na praia, pois pessoa sim pessoa não tinha nas mãos esse volume.

Depois, os grandes sucessos de verão esmoreceram e nunca mais houve um livro que dominasse as férias da maioria dos portugueses. Isto porque os autores portugueses preocupam-se mais em ter "o" livro para a rentrée em setembro e para a época de Natal do que em aproveitar o tempo de nada fazer que é o passado à beira da praia.

No entanto, também nunca mais houve um romance daqueles, um Equador, em que um novato escrevia um best-seller a sério que obrigava os portugueses de todas as idades, género e perfil cultural a lê-lo. Mesmo que houvesse um fenómeno curioso, o de alguns intelectuais se recusarem a ler esse romance histórico que atravessou transversalmente o mundo da literatura nacional. Que vendeu mais de 400 mil exemplares, o número de compradores de livros no nosso país. Ou seja, fez o pleno da clientela dos livros.

De quem é a culpa de esse vácuo ser preenchido pela E.L. James mais recentemente, Dan Brown há alguns anos, ou Paula Hawkins, com o seu A Rapariga no Comboio, no último ano?

Em primeiro lugar, dos escritores. Pois por mais que tenham acontecido sucessos, nunca foram abrangentes socialmente e capazes de ocupar o tempo livre de quem ia para as praias com um livro na mão e vontade de o ler. Porquê? Definitivamente, a primeira razão reside na preguiça dos escritores portugueses. Um grande e, de preferência, bom sucesso precisa de trabalho e não sai à primeira. A receita passa por um bom argumento e por uma ótima escrita, em primeiro lugar. Depois, deixar o romance dormir na gaveta para as letras se encaixarem umas nas outras com a melodia perfeita. O que é raro verificar-se no mundo dos escritores portugueses, porque além de ignorarem o valor literário da sedução dos leitores, também parte fundamental para se escrever bem - afinal, a literatura não vive só de best-sellers -, o nosso autor acha que o seu livro está pronto mal coloca a palavra fim na última folha. Siga para a gráfica!

Havia um editor norte-americano famoso que antes de ler o livro todo e ter o trabalho de o editar só lia a primeira e a última frase. Se fossem boas, então avançava para o seu miolo. Ora em Portugal é raro o romance que tem um grande final, ou até um fim correto e fruto de um amadurecimento da obra. Cai do céu, por norma.

A segunda razão para não existirem livros excecionais em língua portuguesa mas antes opúsculos a que se dá o estatuto de romance é responsabilidade que cabe aos editores. Essas peças de uma máquina cada vez menos conhecedora da profissão e a quem basta assegurar os direitos dos livros que estão a dar nos mercados internacionais e depois entregá-los ao tradutor mais barato para o passar a um português sofrível e literal.

Portanto, observa-se a edição nacional de, estupidamente, mais de mil livros por mês e contam-se pelos dedos de uma mão os títulos portugueses com valor real. São novelas promovidas a romances e narrativas escritas no intervalo de outros compromissos. Nada que entusiasme o leitor que acredita no facto de um bom livro ser como um tsunami: ao pegar-se nele, há um refluxo da água do mar e nada mais importa do que procurar um bom refúgio.

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