O cadáver de botox

A Operação Lava Jato devia ter sido batizada de Operação Plástica Lava Jato.

Apesar dos inegáveis méritos na prisão de corruptos contumazes, no desmantelamento de esquemas criminosos e na diminuição da sensação histórica de impunidade no Brasil, o resultado político e ético da Lava Jato é como o da tanatopraxia, aquela técnica de embelezar cadáveres para velórios.

Para começar, gerou o presidente Jair Bolsonaro, um deputado grotesco de quem nem sequer a maioria dos seus eleitores havia ouvido falar dois ou três anos antes, talvez nem mesmo Sergio Moro, o chefe da operação que se tornou seu fiel e submisso escudeiro.

Mesmo atrelado ao moralismo lava-jatista, o presidente empregou toda a vida funcionários fantasma - como a dona Val, que recebia salário do seu gabinete sem jamais, no entanto, ter pisado Brasília - numa prática de desvio de dinheiro público velha, velhíssima, mesquinha, mesquinhíssima, conhecida como "rachadinha", entretanto copiada, com mais dinheiro e mais requinte envolvidos, pelo seu primogénito, o investigado por organização criminosa, senador Flávio Bolsonaro.

E nos últimos dias os Bolsonaros e o seu próprio partido, o PSL, acusam-se mutuamente de só pensarem no dinheiro do fundo partidário que a bem sucedida eleição gerou e exigem um ao outro auditoria às contas de campanha, entretanto sob investigação policial.

Foi para isto que se fez a Lava Jato?

Nasceu também como fruto da luta contra a corrupção liderada pelos procuradores de Curitiba, uma força política chamada Novo, de cunho liberal, para acabar com todos os vícios da velha política. Sob essa premissa, elegeu até o governador de Minas Gerais, segundo estado mais populoso do Brasil.

Romeu Zema, de seu nome, com uma dívida pública gigantesca para gerir, prometera em campanha acabar com a farra dos voos das autoridades pagos pelos contribuintes; mas o seu "vice" usou um helicóptero do estado para o ir buscar, a ele e à sua mulher, a um SPA.

Decidira restringir a entrega de insígnias apenas ao mínimo dos mínimos; mas acabaria por receber, de sorriso emocionado no rosto, uma medalha secundária na sua cidade natal numa cerimónia paga por todos os mineiros.

Garantira que nenhum dos seus secretários iria receber salário; mas admitiu que deu "a mão e palmatória" e ainda encheu os seus ordenados base de extras milionários.

Finalmente, como os "marqueteiros" notaram que após a Lava Jato as siglas dos partidos se tornaram tóxicas no subconsciente do eleitor, muita gente se rebatizou, usando palavras cheias do frescor próprio dos novos tempos. O DEM passou a Democratas, o PPS a Cidadania, o PT do B a Avante, o PRB a Republicanos, o PEN a Patriotas, o PTN a Podemos.

Ah, e o Progressistas de hoje é o PP de ontem, o partido mais investigado na Lava Jato, facto que não impediu Bolsonaro de pertencer orgulhosamente às suas fileiras de 2005 a 2016, mais ou menos o período em que o escândalo do Petrolão se desenvolveu.

E ainda há o MDB, que se chamava PMDB desde 1988, mas deixou cair o P, para, mesmo sendo sinónimo de tudo o que de mais caduco a política do Brasil produziu - basta dizer que é o partido de José Sarney e de Michel Temer, por exemplo -, dar um arzinho de rejuvenescimento.

Rejuvenesceu mesmo: a sua nova direção, eleita na semana passada, é composta por Baleia Rossi (47 anos), o presidente, por Daniel Vilela (35), vice-presidente, e por Newton Cardoso Júnior (39), secretário-geral.

Sucede que Baleia é filho de Wagner Rossi, denunciado por corrupção, Vilela é filho de Maguito Vilela, denunciado por corrupção, e Newton Cardoso Júnior é, como o nome indica, filho de Newton Cardoso Sénior, denunciado por corrupção. As castas perpetuam-se.

Como na Sicília de Lampedusa, no Brasil da Lava Jato foi preciso que tudo mudasse para tudo continuar na mesma.

O cadáver da política brasileira agora usa botox.

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