Os quatro tipos de bolsonaristas
Em janeiro, o Instituto Datafolha recolheu 13 das propostas mais emblemáticas de Jair Bolsonaro - posse de armas, escola sem partido, submissão diplomática aos EUA, etc... - e perguntou aos brasileiros a sua opinião. Constatou que 70% dos entrevistados discordavam.
Como o capitão ganhou as eleições, então, perguntou-se o instituto e perguntam-se os brasileiros? Porque muita gente escolhe o candidato concordando, muito, com um ponto ou outro do seu programa, mesmo rebatendo os restantes, dizem os especialistas do Datafolha; porque, se é verdade que o vencedor de Outubro teve 55% dos votos válidos, somados todos os eleitores não passou de minoritários 39%, dizem os matemáticos; e porque muita gente votou contra o PT, independentemente de quem fosse o concorrente, diz o senso comum.
De qualquer forma, há quem aprove aquelas 13 propostas, quem concorde com a maioria e quem apoie apenas um terço - os bolsonaristas "heavy", "medium" e "light", como lhe chamou a sondagem. Para ajudar à identificação desses tipos de bolsonaristas, eis aqui um pequeno guia complementar baseado em pesquisa de campo - amadora - do colunista.
Bolsonarista, tipo zero. É o bolsonarista na maior parte das vezes evangélico radical, normalmente com poucos estudos, que não leu nada além da Bíblia, que interpreta de forma literal por ser imune à subtileza das metáforas, e que acredita nas correntes de whatsapp que garantem que, se eleito, Fernando Haddad iria instituir biberons em forma de pénis e recolher as crianças aos seis anos para o Estado decidir quem é menino e quem é menina.
Bolsonarista, tipo um. É o bolsonarista que espalha no Whatsapp que, se eleito, Fernando Haddad iria instituir biberons em forma de pénis e recolher as crianças aos seis anos para o Estado decidir quem é menino e quem é menina. Adepto de armas, sempre, e fanático de musculação, quase sempre, tem como lemas "bandido bom é bandido morto" e "direitos humanos só para humanos direitos". Pode, nalguns casos, vandalizar placas de homenagem a Marielle Franco e mesmo assim ser eleito deputado. Trocou a Bíblia por "O Mínimo Que Você Precisa de Saber Para Não ser Um idiota", do guru do presidente Olavo de Carvalho, um best seller que produz em quem o lê o efeito contrário do que propõem no título.
Bolsonarista, tipo dois. Passeou de camisa verde e amarela da seleção em marchas contra a corrupção do PT, mesmo tendo em conta que, como alternativa ao partido de Lula e Dilma, tenha defendido o voto em Aécio Neves - enfiado até ao pescoço na lama do Petrolão - e a ascensão ao poder de Michel Temer - maior representante do clientelismo endémico brasileiro. Conservador nos costumes e liberal na economia, sabe o mínimo da Bíblia, de política e de economia para não se sentir um idiota, mas o que o move é o preço do dólar. Com dólar baixo, mesmo que metade da população esteja abaixo do limiar de pobreza, pode cumprir o propósito da vida de todo o "cidadão de bem", como se auto-intitula: ir à Disneyworld, a meca do bolsonarista tipo dois, uma vez ao ano.
Bolsonarista, tipo três. Leu mais do que a Bíblia, Olavo de Carvalho e as atualizações dos grupos de Whatsapp em que participa e viajou além de Orlando, Florida, ou de Cancún, México. Por isso discorda da maioria do que os bolsonarismos de tipo zero e um propagam e só sente afinidade com o bolsonarismo tipo dois em parte. Admitir que votou no capitão constrange-o em certos ambientes mas, no fundo, acredita que fez a "coisa certa" (um americanismo que adora) por causa da corrupção do PT e da eventual retomada do crescimento. Com tanto escândalo, vexame e mediocridade em apenas um mês de governo, pergunta-se às vezes se não ter feito asneira, mas responde a si mesmo que "se alguém no novo governo roubou, tem de ir para a cadeia, porque, ao contrário dos petistas, eu não tenho corrupto de estimação" e dorme mais sossegado.
Entretanto, aos bolsonaristas de todos os tipos e aos anti-bolsonaristas - dos mais resignados aos mais furiosos, dos petistas disfarçados aos assumidos, dos democratas a sério aos fãs de Maduro - resta conviver em paz porque, afinal, estão todos no mesmo barco.