O "Ministério do Ódio"
Por causa da lei do nepotismo, Carlos Bolsonaro, segundo dos cinco filhos do presidente Jair Bolsonaro, não pôde assumir o cargo de ministro da comunicação do governo.
Durante a campanha havia sido ele a coordenar a propaganda do pai candidato, que teve como momento mais sintomático a acusação de que o rival Fernando Haddad, enquanto ministro da Educação de Lula da Silva, havia promovido uma "mamadeira de piroca", isto é, um biberão em forma de pénis para dar leite às criancinhas - uma fake news, quase cómica de tão inverosímil, mas que teve enorme impacto nas camadas menos letradas e mais suscetíveis às igrejas evangélicas.
No entanto, como Bolsonaro não é pessoa para se deixar intimidar por leis de nepotismo - vide o caso de Eduardo, o terceiro filho, a caminho da embaixada de Washington por ter fritado hambúrgueres nos EUA durante a adolescência e por saber conjugar, mais ou menos, o verbo to be - contornou a situação e ofereceu um ministério, informal, a Carlos.
O "Ministério do Ódio", ou "Gabinete da Raiva", como ficou conhecido após reportagens dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, citando fontes do Planalto.
Composto por Carlos e por três bolsonaristas de 31, 26 e 25 anos remunerados e localizado numa sala a poucos metros do gabinete presidencial no Palácio do Planalto, o "ministério" tem como prioridade manter viva a chama do confronto com a oposição de esquerda, encarnada sobretudo pelo PT e por Lula da Silva, e com isso deixar a militância bolsonarista em ponto de rebuçado nas redes sociais e nas conversas de bar.
A "mamadeira de piroca" já não é tão necessária - Haddad perdeu a eleição - mas novas "mamadeiras de piroca" surgem a um ritmo semanal consoante o inimigo de ocasião - nos últimos dias, o quase embaixador Eduardo, muito próximo do irmão Carlos e, por isso, do "Ministério do Ódio", partilhou imagens falsas de Greta Thunberg, quase cómicas de tão inverosímeis, mas que tiveram enorme impacto nas camadas mais alienadas do bolsonarismo.
As fake sobre a ativista sueca, assim como os memes contra Lula ou as agressões ao presidente francês Emmanuel Macron, no entanto, são apenas parte dos alvos do "Ministério do Ódio". A mira está, sobretudo, apontada para dentro.
Léo Índio, primo direito dos irmãos Bolsonaro, por exemplo, atua como membro informal do ministério na caça a comunistas infiltrados na função pública federal, estadual e municipal do Brasil, enquanto Carlos e os seus três jovens subalternos costuram ataques, da tal salinha anexa à do presidente, a quem queira ser mais influente do que eles.
Gustavo Bebianno, o ministro que se encarregou da comunicação no início do governo, caiu logo em fevereiro por ação de Carluxo, como é conhecido o segundo filho presidencial. Mesmo sendo íntimo de Bolsonaro "do tipo sentar de cueca na cama a conversar" - a imagem é do próprio Bebianno - o presidente tomou o lado do filho e cortou a cabeça do ministro.
Santos Cruz, talvez o general mais prestigiado do país pela heroica missão de paz no Congo em 2014, também não sobreviveu ao embate com o "Ministério do Ódio", quando a ala militar do governo, que ele integrava como ministro-chefe, ousou conter a ira furiosa de Carlos e seus acólitos.
O vice-presidente Hamilton Mourão não caiu - até porque seria escandalosa a demissão do número dois da República por causa da influência do filho do presidente - mas reduziu as suas declarações públicas, depois de ter sido alvejado, via tweets, por Carlos e sua armada. Foi o auge do "Ministério do Ódio".
No entanto, a influência do "Ministério do Ódio" pode estar em refluxo: primeiro, porque de acordo com sondagens, a radicalização vem fazendo cair a popularidade do presidente; segundo, porque até dentro da família presidencial, por parte de Flávio, o primogénito, e de Michelle, a primeira-dama, já há resistência aos seus métodos.
Mas a questão que fica é: sem o ódio, o que restará do bolsonarismo?
Em São Paulo