O Bezerra de ouro

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No último dia 19, a polícia fez uma operação de busca e apreensão nos gabinetes do senador Fernando Bezerra Coelho e do seu filho, deputado Fernando Bezerra Coelho Filho, sob a acusação de terem recebido 5,5 milhões de reais em subornos. É apenas um dos sete inquéritos no Supremo Tribunal Federal por corrupção e afins do Bezerra pai.

Bezerra é um típico político brasileiro: pertence a uma casta poderosa de um estado nordestino, Pernambuco, é sobrinho de um antigo governador e pai daquele deputado federal e ainda de um prefeito e de um deputado estadual.

Integra hoje o mais clientelista dos partidos brasileiros, o MDB, mas antes vagueou por cinco outros, uns de direita, outros de esquerda, outros mais ou menos.

Para se ter uma noção da sua elasticidade ideológica basta dizer que foi ministro de Dilma Rousseff mas o tal filho alvo da operação de dia 19 geriu um ministério do governo nascido dos escombros do de Dilma - o de Michel Temer.

A velha, velhíssima, política de que Bezerra é o protótipo foi o principal alvo do eleitorado nas últimas eleições, como se sabe. Mas não só nas últimas.

Já nos anos 90, Collor de Mello se elegeu com o epíteto de "caçador de marajás" por prometer combater os políticos tradicionais que enriqueciam à conta dos cofres públicos. Tornar-se-ia não muito tempo depois um dos mais nocivos marajás de Brasília.

Fernando Henrique Cardoso, o intelectual que desprezava os caciques estaduais da política brasileira, teve de se unir aos caciques estaduais da política brasileira para conseguir governar.

Lula da Silva foi eleito como um revolucionário, de barba e tudo, que ia acabar com a corrupção, o compadrio, o nepotismo e todos esses grandes vícios. Acabou aliado do MDB, de Temer, Eduardo Cunha e tantos outros símbolos da corrupção, do compadrio, do nepotismo e de todos os grandes vícios da política brasileira, para, antes de ser traído por eles, conseguir que o PT governasse.

Em 2019, entretanto, chegou Jair Bolsonaro para, de uma vez por todas, "acabar com tudo isso que está aí, tá ok?".

O capitão reformado, apesar de receber auxílio moradia no valor de três mil reais mensais mesmo tendo imóvel próprio em Brasília, de empregar assessores fantasmas cuja parte do salário revertia a favor dele, de ensinar os filhos políticos a empregar assessores fantasmas cuja parte do salário revertia a favor deles, e de ter passado a vida, ele e os filhos, a homenagear com medalhas milicianos vigaristas e assassinos, conseguiu passar à maioria do eleitorado a imagem de alguém disposto a acabar com o regime que pariu marajás, caciques, clientelistas, corruptos.

Imagem falsa, claro.

Meses depois de eleito, para ver aprovada no Congresso a reforma da previdência, o seu maior desígnio económico, pagou 2,5 mil milhões de reais em emendas parlamentares, uma espécie de suborno no limite da legalidade, aos deputados. Falta agora os senadores apresentarem a sua conta para fazerem passar a medida.

Por outro lado, para ter a anuência ao nome que escolheu para a procuradoria-geral da república precisou agradar (leia-se pagar) aos velhos marajás e caciques de Brasília - antes de poder ocupar o cargo, o procurador escolhido sujeitou-se a um exame no Senado.

E, finalmente, para conseguir impor o seu terceiro filho como embaixador dos EUA - "não é nepotismo, tá ok?" - também será obrigado a ter o amém (devidamente remunerado) da câmara alta do Congresso.

Para fazer a intermediação entre as exigências do legislativo e a generosidade do executivo existe uma figura oficial na política brasileira, chamada "líder do governo no Senado", que deve, com habilidade e experiência, costurar aqueles acordos pouco republicanos. E quem Bolsonaro escolheu para seu "líder do governo no Senado?"

Nada menos que o militante do partido símbolo do clientelismo, ex-ministro de Dilma e alvo da polícia por corrupção no último dia 19 Fernando Bezerra Coelho, o protótipo da velha política que o capitão do exército prometeu erradicar ao seu ingénuo eleitorado.

Depois daquela busca e apreensão ao seu gabinete, Bolsonaro, pelo menos, demitiu-o, claro está, pensará o leitor.

Não, não demitiu.

Afinal, a nova política pode esperar mas as nomeações de um procurador amigo e de um filho embaixador não.

Em São Paulo

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