Bolsonaro só pensa em dinheiro
Na segunda-feira, o G7 ofereceu 20 milhões de euros ao Brasil para a recuperação da Amazónia. Num rompante de orgulho tosco, Jair Bolsonaro disse "não, usem-no para reflorestar a Europa".
Na terça-feira, já depois de ter sonhado com o tilintar das moedas, lá estava ele, menos orgulhoso mas ainda mais tosco, de mão estendida outra vez.
Bolsonaro é assim: só pensa em dinheiro. "E qual é o problema de pensar em dinheiro, você não pensa?", argumentará o batalhão (cada vez mais reduzido a "batalhinho") de acólitos do presidente.
O problema não está no "pensa". Nem no "dinheiro". O problema está no "só". Uma visão meramente comercial do mundo, o espírito reduzido a um cifrão, o capitalismo na sua versão mais pobrezinha.
Dias antes da rábula do "não quero o teu dinheiro", Bolsonaro ensaiou outra: como explicação para a tragédia na floresta, culpou, sem se rir, as ONG que trabalham na Amazónia de fogo posto. Com o expediente meio infantil do "não estou afirmando mas...". Ou seja, quem quiser, está agora livre para dizer que foi o próprio presidente da República a atear os fogos - desde que acrescente um "não estou afirmando mas...".
E porque é que as ONG, cuja finalidade é preservar, queriam queimar a Amazónia, segundo o retorcido raciocínio bolsonarista? Para se vingar do governo que, supostamente, lhes retirou dinheiro. O dinheiro, cá está ele, sempre ele, como única motivação mental do presidente.
Sobre os índios do Brasil, entretanto, Bolsonaro tem uma ideia, estreitíssima, claro, mas ainda assim uma ideia. Ei-la: afinal, porque é que os índios, em vez de andarem por aí pintados, nus e mascarados, não exploram a terra, produzem e ganham - lá está - dinheiro, muito dinheiro?
Na sua ignorância paternalista, não lhe passa pela cabeça que haja um povo que tenha prioridades, como estar em contacto pleno com a natureza na região onde vive há milhares de anos, além do dinheiro.
Outro exemplo: Angra dos Reis. O fabuloso balneário a cerca de 150 km do Rio de Janeiro tem muitos atrativos - o maior deles é não ter sido ainda transformado num destino turístico plastificado e industrial para americano ver tipo Cancún.
Ora Bolsonaro, já o disse à exaustão, sonha transformar Angra dos Reis... numa Cancún brasileira, cheia de parques aquáticos, zero preservação, turistas bêbedos, áreas verdes desmatadas e resorts iguais uns aos outros. Por dinheiro, claro.
Na perspetiva bolsonariana da vida, os radares na estrada não têm nenhuma utilidade além de caçar dinheiro dos coitados dos aceleras. Logo, restrinja-se, reprima-se, circunscreva-se os radares.
Antes um acidente gravíssimo por excesso de velocidade, pensa o presidente, que tirarem do meu bolso, numa arreliadora multa, o meu rico dinheirinho - sempre ele.
Os atores, à exceção de Regina Duarte (e de Guilherme de Pádua, ator que matou a atriz com quem coadjuvava numa novela em 1992), manifestam-se na sua esmagadora maioria contra Bolsonaro.
O motivo é simples e tacanho, como tudo na lógica bolsonarista: é porque o governo quer acabar com o financiamento de peças, filmes e séries, sobretudo aqueles que vão contra a moral torta e os costumes atrasados defendidos pelo regime.
A imprensa, à exceção de meia dúzia de youtubers alucinados e de grupos de WhatsApp alarves, está contra Bolsonaro, diz o próprio. Mas e o que move Folha, Estadão, O Globo, Veja, Rede Globo, Valor Económico e as outras grandes marcas brasileiras? Segundo o presidente, o dinheiro, óbvio: foi por lhes cortar verbas estatais publicitárias que os jornalistas se viraram contra ele.
Mas The New York Times, Washington Post, The Wall Street Journal, The Guardian, The Economist, Financial Times, BBC, Le Monde, Libération, La Repubblica, El País, Deutsche Welle, entre tantos outros, incluindo modestamente o DN, têm publicado textos que lhe são ainda mais hostis e nunca beneficiaram de publicidade do governo federal. Porque será? O bolsonarismo ainda não encontrou a resposta, mas quando encontrar terá que ver com grana, de certeza.
Nem sempre Bolsonaro teve visão tão negativa da imprensa, porém. Em 1986, por exemplo, usou as páginas da revista Veja para escrever um artigo.
O artigo, que mais tarde o levaria a reconhecer "atos de indisciplina e deslealdade" perante os superiores militares e que, em última análise, o levaria a abandonar as Forças Armadas prematuramente, intitulava-se "o salário está baixo". Não é de hoje, portanto.