A gargalhada de Bessias
Jorge Rodrigo Araújo Messias era um discreto funcionário público até, de um dia para o outro, se tornar protagonista involuntário de um dos momentos mais tensos da já de si atribulada política brasileira dos últimos anos.
Vivia-se o início de 2016 e o processo de impeachment de Dilma Rousseff começava a desenhar-se, ao mesmo tempo que aumentavam os rumores de uma eventual detenção de Lula da Silva, levado a depor pela polícia, por ordem do juiz da Lava-Jato Sergio Moro, uns dias antes.
A reação de Dilma e Lula foi nomear o antigo presidente como ministro-chefe da Casa Civil, uma espécie de primeiro-ministro, e dessa forma ajudá-la a defender-se do impeachment, por causa do peso político do aliado, e ajudá-lo a blindar-se da justiça, porque naquele cargo teria imunidade.
A manobra, muito criticada na imprensa pelo oportunismo, por um lado, e muito temida pela então oposição pelo seu potencial de alterar o rumo da história brasileira, por outro, era arriscada. Por isso, Dilma decidiu enviar à casa de Lula o termo de posse para ele assinar e assim se precaver de algum imponderável de última hora.
A horas de a cerimónia de nomeação se consumar, às 13.22 de 16 de março daquele ano, uma presidente ansiosa telefonava então a um antecessor aparentemente calmo com um recado. "Seguinte, tou mandando o 'Bessias' junto com o papel pra gente ter ele e só usa em caso de necessidade, é o termo de posse, tá?", dizia ela. Lula responde que "sim , tá OK" e despede-se - uma despedida que também ficou para a história - com um "tchau querida!".
Atacadíssima por uma gripe na altura, Dilma referiu-se a Jorge Rodrigo Araújo Messias, o discreto mensageiro presidencial, como "Bessias". E "Bessias" ficou.
Esta conversa é do conhecimento de toda gente porque Moro, temerário, a soltou para a comunicação social.
Temerário porque além de quebrar o sigilo telefónico entre a então presidente e o seu antecessor no mais alto cargo da República do Brasil, a conversa ocorreu mais de duas horas depois - as tais 13.22 - do fim do período legal das escutas aprovadas pela justiça a Lula - 11.00.
Num primeiro período, Moro desculpou-se pela sua dupla falta a Teori Zavascki, o entretanto falecido em acidente de avião juiz do Supremo Tribunal Federal muito avesso à tese dominante na Lava-Jato de que os fins justificam os meios.
De então para cá, o juiz foi-se referindo à ilegalidade cometida com cada vez menos culpa, se é que algum dia a teve sinceramente, em especial desde que assumiu um cargo no governo de Jair Bolsonaro e se sentiu na pele de um vencedor da história. "Não me arrependo, acho que fiz o que tinha de ser feito", disse em entrevista recente no Programa do Bial, na TV Globo.
É irónica e curiosa, portanto, a reação de Moro à Vaza-Jato, o furo jornalístico do jornal The Intercept Brasil que confirmou as suspeitas de coordenação entre o juiz e a acusação. Disse o atual ministro da Justiça que "basta ler o que se tem lá para se verificar que o facto grave é a invasão criminosa de telemóveis de procuradores".
Esses procuradores, por sua vez, soltaram uma nota a dizer que "a violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado".
No meio das muitas conversas escancaradas, o hoje ministro da Justiça e um desses procuradores aparecem a combinar a divulgação da conversa de Dilma e Lula mesmo sabendo estarem a cometer ilegalidades. E sem achar "criminosa" a invasão de telemóveis nem "grave e ilícita afronta ao Estado" violar comunicações de autoridades constituídas.
Há quem resuma a situação com a velha máxima de que se virou "o feitiço contra o feiticeiro". Há quem prefira a expressão inglesa "karma is a bitch". O certo é que consta que desde o início da Vaza-Jato, ninguém consegue fazer o discreto Bessias parar de rir.