"Eu não tenho culpa"
Em 2017, as sondagens para a eleição presidencial do ano seguinte, que valem o que valem, davam a João Amoêdo zero vírgula qualquer coisa.
Mas no dia da eleição, a sondagem que conta, o candidato pelo Partido Novo somou honrosos 2,5%, que lhe garantiram o quinto lugar, à frente de uma mão-cheia de candidatos que, ao contrário dele, tinham direito a participar nos debates televisivos.
No entanto, corre agora a piada que foi depois da votação que Amoêdo disparou nas sondagens - quando elas já não lhe valem de nada.
É que muitos dos votantes de Bolsonaro, quando confrontados com a sua responsabilidade na eleição de um governo que faz o mundo rir (para não chorar) do Brasil, respondem de pronto "não, eu não tenho culpa, eu votei no Amoêdo".
São tantos esses arrependidos que não se entende como o líder do Novo não chegou à segunda volta eleitoral no lugar do capitão reformado, ex-deputado de baixo clero e esmerado pai de Flávio, Carlos e Eduardo.
Amoêdo, um milionário carioca de 56 anos adepto incondicional do liberalismo económico, entretanto, não ficou de mãos a abanar após as eleições: o Novo conseguiu eleger o governador do segundo estado mais populoso do país, Minas Gerais, com a sua agenda de austeridade total na condução dos gastos públicos.
"Até ao ano passado, quem governava Minas tinha à disposição sete aeronaves, utilizadas até para transportar familiares sem que a população soubesse como e porquê: eu vou acabar com a farra dos voos", prometia Romeu Zema, na campanha que o elegeu, surpreendentemente, governador mineiro.
Com uma das dívidas mais altas de entre as 27 unidades federativas do Brasil, o governo liderado por Zema, no entanto, encontrou meios financeiros para disponibilizar, no Domingo de Páscoa, um piloto e um helicóptero do estado para ir buscar o seu vice-presidente Paulo Brant, também do Novo, e a mulher a um spa de luxo na região metropolitana de Belo Horizonte, capital estadual.
Zema, Brant e os seus secretários de governo prometeram em campanha, num ato assinado em cartório com toda a pompa, que uma vez eleitos, para se diferenciarem dos antecessores, não iriam receber salários.
"Tenho de dar a mão à palmatória e falar que errei nessa questão", assumiu Zema, já em junho, após ser noticiado que os secretários não só receberiam os dez mil reais (cerca de 2200 euros) da praxe como teriam direito a extras que triplicam, na prática, os seus ordenados.
Mas pior, segundo o governador do Novo, eram os três milhões de reais (quase 700 mil euros) gastos por Minas Gerais em 11 eventos de entregas de medalhas ao longo de 2018. Em fevereiro, ou seja, já eleito, prometeu reduzir o desperdício para apenas um evento incontornável, o da oferta da medalha da Inconfidência.
No último dia 12, em Diamantina, sua terra natal, Zema recebia, entre outros 30 distinguidos, a contornável medalha Juscelino Kubitschek, num evento que custou 50 mil reais [aproximadamente 1100 euros], fora o preço das insígnias, ao bolso dos contribuintes mineiros.
No discurso, comovido e já de medalha à lapela, não perdeu os vícios de campanha e prometeu "uma nova era" no combate à crise orçamental do seu estado.
Além de Zema, a outra figura que desde a campanha eleitoral mais se destacou no exercício do poder executivo no partido de Amoêdo foi o ainda ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cuja cabeça está a prémio no mundo depois da catástrofe na Amazónia.
Moral da história: se Amoêdo tivesse ganho, de facto, as eleições, talvez hoje muitos dos seus eleitores estariam a dizer envergonhados "eu não tenho culpa, eu votei no Bolsonaro".