Ele rouba mas poucochinho

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A culpa foi de Paulo Duarte. O combativo jornalista acusou Ademar de Barros, candidato à prefeitura de São Paulo em 1957, de ser do tipo "rouba mas faz".

O cacique Ademar, no entanto, gostou do slogan, mesmo sendo pejorativo, adotou-o e ganhou as eleições.

Habituado a quem só roubava, o povo, de tão carente, preferiu votar em alguém que roubasse mas pelo menos fizesse.

De então para cá, no plano federal o Brasil passou por uma ditadura, que além de roubar a liberdade de voto e de expressão e até a vida de brasileiros, também terá desviado uns milhões, pela calada, beneficiando-se de um regime opaco e podre.

Já em democracia, o povo sobreviveu a dois figurões multimilionários vindos de dois miseráveis estados nordestinos - nas biografias de José Sarney, do Maranhão, e de Collor de Mello, do Alagoas, é mais concorrido o capítulo dedicado a "denúncias de corrupção" do que o dedicado a "obra realizada".

Após o parêntesis Itamar Franco, assumiu a presidência o intelectual e urbano Fernando Henrique Cardoso (FHC), que salvou os brasileiros, com o Plano Real, de uma inflação de quatro dígitos.

No entanto, não conseguiu fugir das profundas forças do atraso - aqueles velhos caudilhos que vendem o apoio ao governo, seja ele qual for, em troca da perpetuação dos seus inconfessáveis privilégios e, no mínimo, sempre roubaram tanto quanto fizeram.

Com o Plano Real do antecessor a ajudar, Lula da Silva, "pela primeira na história do país", o seu bordão preferido, fez dos excluídos a prioridade do governo, com os resultados transformadores, aplaudidos por organismos independentes mundo afora, que se conhecem.

Mas o autor da frase "se Jesus cristo fosse presidente do Brasil aliava-se até com Judas Iscariotes", coligou-se ao putrefato MDB, partido que foi governo de 1985 a 2018 sem nunca ter eleito um presidente, e abraçou-se a Sarney, e até mesmo a Collor, e outros coronéis.

Além, claro, de em troca de favores públicos ter oleado o seu governo com o dinheiro das construtoras, prática comum a dinastias e dinastias políticas ao longo da história do Brasil.

Em suma, as reformas acertadas de FHC não impediram a elite atrasada de continuar a saquear como sempre saqueou; e se é certo que a vida dos pobres melhorou na Era Lula também é verdadeiro que os rapinadores do costume continuaram a faturar, e bem, durante a sua gestão.

O fracasso do governo de Dilma Rousseff deveu-se à sua desastrada política económica mas o impeachment teve como causa direta a falta de jeito da presidente para abraçar a tal elite de rapinadores do Congresso, traduzida pelo MDB de Michel Temer, que lhe passou a perna.

De vez em quando, no entanto, o povo cansa-se do "rouba mas faz" e decide protestar: é nesse contexto que em 2018 é eleito Jair Bolsonaro, um deputado bizarro e preguiçoso, sob a premissa de que "este, pelo menos, nunca roubou".

Mentiroso compulsivo, o que é em si uma forma de fraude, viciado em nepotismo, a mais antiga das corrupções humanas, e tão clientelista como os antecessores, já está a vender cargos na máquina estatal aos rapinadores de sempre em troca de apoio em caso de impeachment, Bolsonaro mudou 350 vezes de assessores em 28 anos como deputado, conforme investigação do jornal Folha de S. Paulo.

Do vaivém frenético, em que do dia para a noite colaboradores quadruplicavam os seus salários, constam os mesmos personagens da organização criminosa, chamada de "rachadinha", liderada pelo filho Flávio (e o filho Carlos também é suspeito de perpetrar vigarice semelhante).

Os seus apoiantes, no entanto, como não querem admitir que o seu "voto de protesto" foi ridicularizado pelos factos, argumentam que os 2,4 milhões de reais envolvidos no esquema de Flávio são "pouca coisa".

Depois do "rouba mas faz", eis o "rouba, mas rouba poucochinho".

Por falar em votos de protesto, por causa do enésimo escândalo de Ademar, logo na eleição seguinte, em 1959, a candidata mais votada pela população paulistana foi a rinoceronte Cacareco, atração do zoológico da cidade, com 100 mil votos.

Bolsonaro é, com prejuízo, o herdeiro político da Cacareco.

em São Paulo

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