E Bolsonaro nem se riu
No bolsonaristão, a insanidade mais recente, noticiada em todos os cantos do mundo, foi o discurso ao país do secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, a imitar Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler e um dos principais instigadores do extermínio de judeus, segundo os seus dois principais biógrafos, Thacker e Longerich.
Mas já na véspera o governo fora abalado por outro escândalo, envolvendo outro secretário, o da Comunicação, por acaso, um proeminente membro da comunidade judaica brasileira. Fábio Wajngarten é dono de uma empresa cujos principais clientes, Band e Record, estão entre as emissoras de televisão beneficiadas pelas verbas governamentais geridas pelo próprio.
Numa altura da história do Brasil em que neonazis se sentem confortáveis para saírem do armário e em que o presidente da República, dia sim, dia não, ofende a mãe de jornalistas que lhe fazem perguntas, Wajngarten preferiu ameaçar a imprensa que divulgou a notícia a explicar ao contribuinte o nítido conflito de interesses em que está envolvido.
Como, ao contrário de Alvim, cujo escândalo teve repercussão mundial, Wajngarten está apenas sob holofotes nacionais, Bolsonaro não se achou ainda obrigado a despedi-lo. Têm a palavra agora a Comissão de Ética Pública da Presidência da República e o Ministério Público Federal (MPF).
Caso caia mesmo na alçada do MPF, segue os passos do novo chefe da atriz Regina Duarte, o ministro Marcelo Álvaro Antônio, titular do Turismo e com a tutela da Cultura, já arguido num esquema de lançamento de candidatas-fantasma na eleição de 2018.
E do ministro Ricardo Salles, do Ambiente, condenado, em primeira instância, pela justiça do estado de São Paulo, por cometer fraude na elaboração de um plano de proteção ambiental com o propósito de beneficiar empresas mineradoras.
E do ministro Paulo Guedes, da Economia, investigado pelo Tribunal de Contas no âmbito de uma operação que apura irregularidades cometidas por si ainda como empresário do mercado financeiro.
E do ministro Osmar Terra, da Cidadania, outro arguido por improbidade administrativa ao suspender a autorização de produções audiovisuais LGBT para a televisão pública, já depois de ter gasto 400 mil euros no processo de seleção.
E do ministro Luiz Mandetta, da Saúde, alvo de quatro processos na qualidade de secretário municipal da mesma pasta, em Campo Grande, capital do estado do Mato Grosso do Sul.
E do ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, suspeito de receber dinheiro não declarado para as suas campanhas.
Já para não falar do líder parlamentar do governo no Senado, Fernando Bezerra, alvo de mandado de busca e apreensão por receber subornos em obras no nordeste do país.
E do senador Flávio Bolsonaro, figura central de um escândalo milionário de corrupção que envolve desvio do salário dos assessores para seu proveito e lavagem de dinheiro numa loja de chocolates - um escândalo com tantas ramificações que nem o pai, Jair Bolsonaro, por mais que tente, consegue abafar.
Além do escândalo em torno do seu filho, das buscas ao seu líder parlamentar e do eventual conflito de interesses do seu secretário da Comunicação, portanto sentam-se no Conselho de Ministros ao lado de Bolsonaro (e do seu ministro da Justiça, o incensado Sergio Moro) nada menos do que seis altos funcionários com a justiça à perna: o ministro do Ambiente, já condenado, os do Turismo, da Saúde e da Cidadania, já arguidos, e os da Economia e da Casa Civil, sob investigação.
Mesmo assim, em evento do seu novo partido, o Aliança pelo Brasil, umas 48 horas antes do discurso do Goebbels dos trópicos, o presidente disse que não paira sobre o executivo "nenhuma denúncia de corrupção".
E não, não era uma piada: nem ele nem os seus correligionários se riram.
Correspondente em São Paulo