A Odebrecht que vem e que passa

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Consta que depois de Yesterday, dos Beatles, é Garota de Ipanema, de Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes, a canção mais regravada do século XX. Ela, e tantos outros sucessos de Tom e também de Chico Buarque, de Caetano Veloso, de João Gilberto e de muitos mais, tornou-se uma das principais exportações do Brasil.

Além da bossa nova e da MPB, o país ainda exportou o samba, em parte graças ao impulso inicial de Carmen Miranda e da Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, ritmo ensinado a curiosos do gingado brasileiro nos cantos mais recônditos do globo, a léguas da Bahia, onde nasceu, e do Rio de Janeiro, onde cresceu.

Quem fala em samba, fala em Carnaval, cuja forma brasileira de o festejar é fotocopiada por foliões até do hemisfério norte, que a dançam seminus, indiferentes ao inverno, só para reproduzir a popular versão soalheira da Marquês do Sapucaí no Rio de Janeiro.

Na arte, o mundialmente aclamado Oscar Niemeyer encabeça a lista de arquitetos de peso, na literatura, Machado de Assis foi traduzido para centenas de línguas, na medicina, Ivo Pitanguy é referência internacional na área da cirurgia plástica, na publicidade, poucas escolas ganham mais prémios do que a brasileira, no marketing político, dezenas de países, incluindo Portugal, seduziram-se pelos milagrosos "marqueteiros" brasileiros.

Entretanto, Pelé, acima de todos, mas também Garrincha, Zico, Romário, Ronaldo Fenómeno, Ronaldinho Gaúcho ou Neymar, são ícones globais, representantes de um futebol artístico e divertido que conquistou o mundo, mais do que qualquer outro, por cinco vezes. Como Ayrton Senna simboliza, como ninguém, o génio da velocidade.

Gisele Bündchen, por sua vez, é a mais famosa übermodel do planeta - num ranking em que mais um punhado de brasileiras ocupa os primeiros lugares da lista.

No entanto, talvez porque Gisele se retirou, Senna morreu, o Mundial 2014 foi um embaraço, os "marqueteiros" se envolveram em escândalos, o brasileiro mais lido não é Machado mas o malquisto Paulo Coelho, a educação elitista e medíocre não permite que os Pitanguy e os Niemeyer se reproduzam, o prefeito evangélico do Rio boicota o Carnaval, a fast music tomou as rádios e até o preço das commodities baixou a pique, hoje em dia a principal matéria de exportação é outra. A Lava-Jato.

Por causa da influência disseminada pelo mundo da infame construtora Odebrecht, existe a Lava-Jato na Argentina, onde as ligações à empresa brasileira já arrastaram para a lama ex-funcionários do casal Kirchner e um primo de Maurício Macri; e no México, onde o governo de 2006 a 2012 de Felipe Calderón favoreceu a companhia; e na Colômbia, onde a Odebrecht indiretamente já derrubou 21 poderosos, oito deles presos ou sob medidas de segurança; e no Equador, onde sete pessoas estão detidas e o vice-presidente continua sob acusação da justiça por favorecer os brasileiros.

E na Guatemala, onde foi divulgada uma lista de corruptos beneficiados pela empreiteira; no Panamá, onde 17 pessoas, incluindo dois filhos do ex-presidente, foram implicadas em escândalo de lavagem de dinheiro e aguardam acordo com o ministério público do Brasil; no Peru, onde três ex-presidentes têm ligações perigosas com os donos da empresa; na República Dominicana, que já fechou acordo de delação com executivos ligados à família Odebrecht; na Venezuela, onde Maduro terá pago a um marqueteiro brasileiro com dinheiro da construtora.

E em Angola, onde foi revelado que a companhia pagou 50 milhões de dólares para reeleger José Eduardo dos Santos; e Moçambique, onde funcionários do estado foram subornados pelos empreiteiros para obter termos favoráveis na construção de um aeroporto em Nacala. Fora o resto.

No Brasil de hoje é ela, a Odebrecht, que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar.

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